quarta-feira, 1 de junho de 2011

Ateus: um delírio?

Campanha dos agnósticos e ateus na Inglaterra em 2009: está escrito no ônibus "provavelmente Deus não existe/ pare de se preocupar agora vá curtir a vida".
Giordano Bruno foi queimado pela Inquisição por não acreditar na Trindade Divina, enquanto Michel de Servet foi queimado pelo mesmo motivo, no entanto, pelos protestantes em Genebra. A sua rejeição quanto ao conceito de Trindade Divina pode ser entendida como um ataque á própria crença em Deus? Esses dois episódios são apenas a ponta do iceberg da discussão sobre o ateísmo na Idade Média e Moderna.
Seria possível existir numa época na qual a religiosidade era hegemônica indivíduos que não acreditassem em Deus? Essa é a verdadeira questão. Lucien Febvre responde que não. Na tentativa de entender a cabeça de um escritor tido como ateu (François Rabelais), o historiador francês chega a conclusão de que nesse tempo era impossível existir ateus devido a força ainda da mentalidade medieval e escolástica onde Deus era o centro de tudo. Febvre acredita que chamar Rabelais e qualquer um pensador da Idade Média e começo da Moderna de ateu é cometer um anacronismo. O verdadeiro divórcio entre Deus e o homens nasceria apenas no século XVIII quando surge o Iluminismo com sua posição racionalista. A partir de então, nasce o ateísmo. O ateísmo para a maioria dos historiadores é uma noção moderna e recente.

Giordano Bruno
Michel de Servet
Como explicar a atitude de Servet e Bruno? Giordano Bruno era um frade dominicano e procurava entender a religião cristã mais profundamente, tanto que pesquisou textos místicos até no Egito. Bruno questionava alguns dogmas da Igreja, mas isso não quer dizer que acreditava em Deus. Aliás, ele pode ser considerado um dos primeiros místicos católicos (Santa Teresa de Ávila e São João da Cruz são considerados os primeiros). Michel de Servet era um cientista, pesquisou muito sobre os pulmões e a atividade respiratória do corpo humano, no entanto não deixava de acreditar em Deus. Sua maior objeção á fé cristã era o conceito de Trindade, pois o concebia como algo absurdo, criado não pelas Escrituras, mas pela Igreja.

São Francisco de Assis
Bruno e Servet fazem parte de um contexto que começou com a Baixa Idade Média, quando a Europa medieval iniciou um desenvolvimento econômico e político que favoreceu o surgimento do que muitos conhecem como humanismo medieval. Humanismo medieval seria a valorização do homem, mas levando em conta Deus também, afinal, Ele nos fez á Sua imagem e perfeição. O maior expoente do humanismo medieval é, sem dúvida, São Francisco de Assis, que traz um novo olhar sobre o homem, a mulher, a terra e os animais. São herdeiros desse humanismo de São Francisco os humanistas da Renascença. A Renascença prega á volta aos valores greco-romanos, mas como forma de se contrapor aos valores da Igreja. Esse período é marcado por uma grande crítica á Igreja Católica enquanto instituição (tanto que na mesma época surgiria a Reforma Protestante), mas não á noção de Deus propriamente dita. A maior crítica á Igreja era que ela estava se tornando muito mundana, por se envolver tanto com o poder temporal.

Deus abençoa o Sétimo Dia, William Blake (1757-1827).
Você pode me perguntar então: tá, Vinicius, mas e todos aqueles homens e aquelas seitas da Idade Média que foram perseguidos pela Igreja por serem hereges?Apesar de hoje se tornarem sinônimos, herege é diferente de ateu. O ateu simplesmente não acredita na religião, o herege, por outro lado, acredita, mas dá a sua interpretação dela. A palavra "herege" quer dizer "escolha". Sendo assim, a Igreja perseguia os "hereges" porque eles não estavam seguindo á risca o que ela pregava. Exemplos? Os temidos cátaros que queriam matar todos os ricos acreditavam que Jesus queria que o mundo fosse somente dos pobres, ao contrário do que a Igreja pregava na época. Menocchio, o curioso moleiro descoberto por Carlo Ginzburg, foi levado á Inquisição porque acreditava que o mundo sempre existiu e que dele com o tempo se originaram os anjos e toda a corte divina, sendo depois que aparece o homem. Ou seja, uma interpretação diferente das Escrituras. Inegável que Menocchio acreditasse realmente em Deus, a única coisa que o transformava em um herege é essa sua interpretação bem original.

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