sábado, 30 de julho de 2011

Brasilidade

Acervo do Museu de Arte Popular Casa do Pontal (RJ).
"O Modernismo brasileiro foi mais um de tantos movimentos (do Romantismo ao Tropicalismo, do Regionalismo ao Armorial) que tentou definir a brasilidade num país onde todos se sentiam estrangeiros e, ao mesmo tempo, diferentes de todos os estrangeiros que conheciam. Este drama de conceituar o que é ser brasileiro, claro, só ocorre às nossas elites, aos brasileiros que leem livros e discutem abstrações. O povo, mesmo, fala a sua Língua Geral, trabalha, brinca seu samba ou seu fandango, brasiliza 24 horas por dia, pratica o Brasil sem conhecê-lo de fora".

Bráulio Tavares, escritor paraibano, na crônica Drummond: Europa, França e Bahia.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Falando em Oswald de Andrade...

Erro de Português
Oswald de Andrade

Quando o português chegou
Debaixo duma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português

Crônicas do Quarto Poder

A imprensa sempre teve uma relação muito ambígua com o poder; ora apoiando-o, ora atacando-o. Uma coisa é indiscutível: a imprensa é um dos espaços privilegiados para se fazer política. Assim, a imprensa pode denunciar muito bem a essência política de certos períodos.
A cidade de Taubaté, por exemplo, teve sua circulação de jornais iniciada ainda no século XIX. No entanto, era uma produção muito artesanal que dependia de investidores isolados e que tinha uma duração muito pequena. Só a partir dos últimos anos do Império que a imprensa realmente se consolidou em Taubaté fazendo parte do viver urbano realmente.
Sobre imprensa e política, lembremos alguns episódios interessantes: o jornal O Paulista foi criado em 1862 e começou como um órgão independente, até que em 1868 tornou-se um defensor do Partido Liberal (a política imperial era coordenada pelos gabinetes, o Partido Conservador e o Partido Liberal se revezavam no controle desses gabinetes; quando o Partido Conservador estava de posse de um gabinete, o Partido Liberal se tornava oposição e vice-versa). Eram diretores do jornal então o Antônio Joaquim Daniel Prado, seu fundador, e Alfredo de Almeida, um membro mais radical do Partido Liberal.
José Francisco Monteiro, Visconde de Tremembé.
Lembrando que chefe do Partido Liberal em Taubaté na época era o então Barão de Tremembé, monarquista convicto. O Partido sobre sua direção se tornara situacionista e Alfredo não gostara disso. Começa a publicar notas atacando esse fato e, segundo Antonio Mello Júnior, os entregadores do jornal começam a ser perseguidos pela polícia. A situação fica crítica em 1870 quando após atritos sérios com o barão Alfredo se desvincula do partido e declara o jornal como orgão republicano. O diretor do jornal é atacado á noite em represália. Alfredo diminui os ataques ao barão, mas adota o slogans "Liberdade é a nossa divisa!" e "Liberdade política e liberdade religiosa". Em 1876 vende seu jornal para seu cunhado Flávio de Carmago e vai para Pindamonhagaba fundar um novo jornal radical, A Democracia.
Em 1888 foi fundado o Jornal do Povo e em 1890 o engenheiro Fernando de Mattos, conhecido líder republicano local, assume sua direção. Fundado no mesmo ano, O Noticiarista era praticamente um órgão informal dos monarquistas, apesar de se dizer imparcial. Ambos se atacavam mutuamente. Difícil saber quem era mais virulento. Fernando de Mattos passa a assinar editoriais em 1893, já na República, atacando os republicanos de última hora como o coronel João Affonso Vieira que era o intendente municipal. Por causa de seus ataques a polícia invade a redação certo dia e fecha o jornal. Algum tempo depois o jornal voltou e adotou o irônico slogan: "Fundado em 8 de julho de 1888. Assaltado em 22 de março de 1893. Empastelado em 8 de junho de 1893. Restaurado em 7 de setembro de 1894".
Félix Guisard
O Jornal do Povo continuou na ativa durante um bom tempo, diferente de seu rival O Noticiarista que foi  fechado em 1894. Meu colega Ângelo Rubim Alves acredita que ele fora substituído pela Associação Artística Literária como veículo da facção conservadora. Algum tempo depois surgiria um jornal que seguiria os princípios desse grupo político, O Norte, quando se tornarem a situação (com o revezamento dos irmãos Costa na prefeitura durante a década de 1910), assim como também surgiria um jornal de oposição, O Libertário, fundado por Félix Guisard para se tornar o porta-voz da oposição liberal.
Agora vamos á capital do Estado do Amazonas. Manaus, assim como Taubaté, se tornara um importante centro urbano graças á uma atividade econômica, a da borracha, e tentava se ordenar e viver como um centro urbano europeu. A pretensão em se tornar uma cidade cosmpolita fazia com que sua insipiente imprensa (nascida na segunda metade do século XIX, mas ainda não possui uma data precisa para seu surgimento) se dedicasse á assuntos extra-locais. Em sua maioria, os jornais obedeciam a lógica dos primeiros anos da imprensa no Brasil: eram artesanais, virulentos e efêmeros. O historiador Arthur Reis lembra que eles eram abertamente partidários - criados pelos dissidentes do Partido Liberal, os maniveiros e os históricos, e do Partido Conservador para se atacarem. O mesmo admite que só a partir de 1870 que eles tentam ser mais "imparciais" e se dedicam á temas mais variados e regionais.
O maior exemplo pode ser o jornal fundado pelo artista gráfico Manuel da Silva Ramos em 3 de maio de 1851: Cinco de Setembro. Ele passaria a se chamar Estrella do Amazonas em 1852 em homenagem á criação da Província do Amazonas. Estrella do Amazonas seria  um dos jornais de maior circulação, justamente por publicar máterias variadas sobre a cidade e seu comércio.
Eduardo Ribeiro
A expansão para outros temas nos jornais manauaras não significou que eles abandonaram a política, mesmo quando diziam ser imparciais. Ora, Eduardo Ribeiro quando fora governador do Amazonas, já na República, publica em Manaus o periódico que tinha fundado no Maranhão quando cadete para defender o positivismo: O Pensador. Com a diferença de que em Manaus, O Pensador defenderia o positivismo, a República e as ações do governo. Aliás, os principais inimigos políticos de Ribeiro, o clã Nery, possuia também o seu jornal: Folha do Amazonas. Nas eleições de 1910, a disputa entre Antonio Bittencourt, apoiado pelo dono do Diário do Amazonas, e Silvério Nery, dono da Folha do Amazonas, se fez na imprensa também. Nas eleições de 1913, a mesma coisa aconteceu entre os jornais O Tempo, apoiando Jonathas Pedrosa, e Amazonas e Gazeta da Tarde, simpáticos á Guerreiro Antony. Quando os tenentes tomaram o poder em 1924 entenderam que também era necessário possuirem seu jornal como propaganda de seu governo e também como forma de transparência (uma de suas bandeiras era a moralização da política).
Os empastelamentos e prisões também foram práticas constantes na história da imprensa no Amazonas. O Jornal do Amazonas, fundado em 1875 como veículo do Partido Conservador, foi empastelado em 1878 quando o Partido Liberal assumiu a presidência da Província. Vicente Reis, redator do tradicional Jornal do Commércio, teve ordem de prisão decretada assim que saía da redação do jornal em 1914 simplesmente por criticar o governador Jonathas Pedrosa. O redator e ex-delegado conseguiu fugir dos policiais, se disfarçando de mulher. Décadas depois, o jornal oficial de Plínio Coelho, Trabalhista, foi atacado por policiais á paisana por criticar a atuação do governador Arthur Reis - isso durante os anos iniciais da ditadura militar, quando Plínio já havia sido cassado e se exilado do país. Outro episódio se tornou até cômico: A Notícia era um jornal independente que em 1965 ironizou o governador Arthur Reis, este foi prender o seu dono, Manoel Andrade Neto, com sua guarda particular. No entanto, Andrade Neto não estava em casa e depois de esperar um tempo, Arthur Reis, furioso, desistiu da idéia. Mas antes de ir embora, decidiu se vingar do desafeto chutando e quebrando vasos de plantas da varanda da casa dele. Graças á Abrahim Aleme, correspondente do Jornal do Brasil no Amazonas, a notícia foi divulgada para todo o país o que deve ter impedido maiores represálias do governado á Andrade Neto, que nos anos seguintes se aproximaria do MDB, a oposição oficial á ditadura. A sede d' A Notícia foi palco para o encontro entre Plínio Coelho e Gilberto Mestrinho, mediado por Andrade Neto, onde se selou uma união para as eleições livres estaduais de 1982, no final da ditadura militar.
Arthur Cézar Ferreira Reis
Como podemos ver, a imprensa diz muito sobre a política de uma época. Os ataques e as perseguições e empastelamentos revelam como era polêmica e violenta a política dessas duas cidades em meados do século XIX. Afinal, estamos falando de cidades que estavam se transformando, uma se urbanizava graças ao café e posteriormente á indústria têxtil, enquanto a outra foi sustentada pela borracha e por pequenas fábricas de serviços e beneficiamentos antes de cosntruir seu distrito industrial. Mesmo assim, ainda sobrevivem alguns elementos daquela política provinciana. A adaptação com a consolidação da imprensa no viver urbano demora um bocado para seus políticos, embora eles já tivessem a adotado como seu veículo de propaganda, como mostramos.
E hoje? O que diz da política nossa imprensa hoje?

O trabalho

"A ascensão repentina, espetacular do trabalho, passando de último lugar, da situação mais desprezada, ao lugar de honra e tornando-se a mais considerada das atividades humanas, começou quando Locke descobriu no trabalho a fonte de toda propriedade; prosseguiu quando Adam Smith afirmou que o trabalho é a fonte de toda riqueza; atingiu seu ponto culminante no 'sistema de trabalho' de Marx em que o trabalho se tornou a fonte de toda produtividade e a expressão da própria humanidade do homem".
Hannah Arendt, filósofa alemã em A Condição do Homem Moderno, 1958, p. 114-115.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Carmen Doida

O poema abaixo pertence ao livro Sarandalhas(1967) de Mady Benoliel Benzecry (1933-2003)e fala sobre uma personagem conhecida na Manaus dos anos 60 e 70, no tempo em que era normal pessoas com problemas mentais viverem no meio da população e se tornarem figuras folclóricas como Carmen Doida.


Carmen Doida. Foto: Antônio Menezes, 1977.
Carmem-doida
Mady Benzecry

Carmem-doida! Gritava
a criançada da antiga
praça da prefeitura,
a Carmem-doida endoidava
mandava banana pra todos,
cuspia a dentadura
xingava a mãe e a família
da garotada e berrava
os piores palavrões...

Carmem-doida! E a tua mãe,
está no hospício também?
"No céu! Seus mizerentos
rebentos do Satanás,
na paz do Senhô, ela está!"
E ia ao "Juizado
de Menores" se queixar!

"Seu juiz, não é prussive,
tanta, tanta bandalheira,
eu sou muié de respeito
e não ardimito brincadeira!
A gente tem de acabá
com esses moleque de rua,
já é a quinta dentadura
que eles me faz quebrá,
entonces esta, foi cara,
ganhei ela de natar
e tinha um dente de ouro
bem na frente, seu dotô
eles tem de me pagá!"

E lá se iam dois guardas
a garotada autuar...

Um dia, foi no Natal
uma "vaquinha" correu
na praça da prefeitura
e Carmem-doida ganhou
um presente dos meninos
com cinco dentes de ouro
uma nova dentadura!

E desde então Carmem-doida,
muito mais doida, ficou...

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Era uma vez a revolução...

Malory (James Coburn) e Miranda (Rod Steiger).
Assistindo ao filme Quando Explode a Vingança (1971), um faroeste de Sérgio Leone que tem como pano de fundo a Revolução Mexicana de 1910 achei que o pensamento de um dos personagens merecia ser comentado. Um dos protagonistas, Juan Miranda (Rod Steiger), é um bandido que faz pequenos furtos com a ajuda de seus filhos. Ele se une á um especialista em explosivos, o irlandês John Malory (James Coburn), para assaltar um banco numa famosa cidade mexicana. Miranda é um anti-herói, não quer se envolver na luta dos revolucionários, enquanto Malory quer fazer ali no México o que não conseguiu fazer em sua terra natal: uma revolução bem-sucedida. O irlandês empurra Miranda para a revolução sem querer. A uma certa hora, Juan finalmente explica porque não gosta de revoluções: porque os pobres, aqueles a quem os revolucionários dedicam suas ações, são sempre sacrificados.
Malory passa a rever sua posição e acreditar nas palavras de Miranda quando o líder local da revolução, Doutor Villega (Romolo Valli), pede para que eles lutem por eles. O bandido mexicano e o pirotécnico irlandês conseguem deter as tropas, mas o grupo é massacrado. Os filhos de Miranda são mortos e ele passa a combater o governo não por um ideal, mas pelo rancor. Malory percebe que empurrou o amigo para uma furada e que de certa forma é responsável pela morte dos seus filhos.
O pensamento de Miranda é comum e representa um sentimento popular: de que o povo será ludibriado de qualquer maneira. Um pensamento que leva á indiferença, á apatia política. Mas se pensarmos bem eles tem motivo para ter essa desconfiança com qualquer tipo de pensamento revolucionário. Na maioria das revoltas e revoluções  que foram feitas, o povo sempre foi usado como massa de manobra ou bucha de canhão. Poucos foram os líderes revolucionários que deram a cara á tapa e se uniram aos seus soldados, correndo os mesmos riscos que eles.

Pancho Vila (á frente, de casaco militar com botões) e Emiliano Zapata (ao seu lado direito).
A Revolução Mexicana, por exemplo, irrompeu como uma revolta contra a corrupção do governo de Porfírio Diaz e depois do general Victoriano Huerta e contra o poder dos latifundiários e das empresas estrangeiras. Foi um movimento que contou com poucos líderes, alguns populares como Pancho Villa e Emiliano Zapata, e outros mais moderados e liberais como Venustiano Carranza. Foi uma revolução sangrenta que devastou o país. A maior parte de seus líderes foram assassinados, sejam em emboscadas ou em intrigas palacianas. O número de mortos em combate é impressionante. A maioria, claro, pobres.
Desenvolveu-se um pensamento na esquerda internacional (apoiados na posição de Lênin) de que uma boa revolução precisaria de líderes bem coordenados (uma vanguarda) para conclamar o povo á luta e ordenar suas ações. A idéia que se tinha é de que o povo é uma massa que não consegue se organizar, ou porque existe uma certa irracionalidade nele (fruto de sua condição pobre) ou porque a maioria está alienada. Mas os intelectuais se decepcionaram, assim como Malory se desilude da revolução, quando perceberam que não conseguiram alcançar seu objetivo (a revolução) e que eram conhecidos pelo povo como opressores e demagogos também. O povo, que parecia ser um exame de abelhas sem coordenação, sabia que apesar do ideal revolucionário a ação da vanguarda era ainda autoritária ao se proclamar a organizadora da revolução. Uma revolução não se faz sem o apoio do povo.
A queda da Bastilha - prisão que se tornou símbolo da repressão do Antigo Regime.
A Revolução Francesa, por exemplo, conseguiu sobreviver porque o povo estava desgostoso com a monarquia e enxergou, em sua maioria, como de bom grado fazer algo diferente. O período que veio a seguir foi de intenso caos, afinal, quando se irrompe uma revolução alguns limites são quebrados, inevitavelmente. Depois da turbulência a República Francesa tomou corpo, os partidos se consolidaram (os jacobinos e gerundinos) e passaram a dominar a política e cometer os mesmos "pecados" da monarquia. Basta nos lembrarmos do período do "Grande Terror", onde Robespierre mandou guilhotinar qualquer um que fosse contra suas idéias e as de seu partido. Aliás, ao fim e ao cabo, ele próprio acabou guilhotinado.
Caricatura de Robespierre feita pelo cartunista Paulo Caruso.
Esse caso nos lembra o velho ditado: "A revolução come seus filhos". É arriscado falar em fases da revolução, porque os atos humanos não são como ações totalmente determinadas como as da natureza, mas é possível enxergar que na maioria dos casos as revoluções possuem o tempo da luta, quando ela irrompe e os limites se diluem na turbulência, e o tempo da domesticação, quando ela vence e é institucionalizada. Nessa última fase, a revolução deixa de ser revolução, pois não existe uma revolução institucionalizada. Revolucionar é constetar uma ordem estabelecida e não ser uma ordem estabelecida. Daí a ironia no nome dado ao grupo de generais e líderes que passaram a governar o México após expulsarem Huerta em 1910: Partido da Revolução Institucionalizada. A nova ordem estabelecida conseguiu fazer uma reforma agrária e diminuir o imperialismo internacional, mas não resolveu todos os problemas: o desenvolvimento dos grandes centros urbanos diminuiu a importância do campo, aumentando o êxodo rural e, consequentemente, os problemas de má habitação, miséria e violência. Um dos homens mais emblemáticos do PRI foi Lázaro Cárdenas que foi presidente do México em várias ocasiões e sabia como ninguém superar esses novos problemas e impedir novos conflitos com seu populismo. O populismo é uma estratégia para conseguir a paz social, para se manter no poder, para manter o status quo. Aqui, um líder carismático proclama-se defensor do povo, mas na realidade se compromete com todos os setores da sociedade dando a cada um deles um pouco do que querem. Engraçado que mesmo pretendendo evitar conflitos, no final das contas, o populismo acaba por os cria ao radicalizar a sociedade através da demagogia, discurso que elege em especial alguns inimigos do povo e os ataca constantemente.
Lázaro Cardenas.
O populismo pode ser entendido como uma contra-revolução, mas que no final pode acabar gerando conflitos, não necessariamente revoluções (revoltas, quem sabe). Quando se trata de contra-revolução existem as mais variadas estratégias possíveis. A apatia política e a conciliação política, por exemplo, podem se transformar em mecanismo contra-revolucionários, como aconteceu aqui no Brasil durante o Segundo Reinado.
A Junta Revolucionária, comandada por Getúlio Vargas, posa no Palácio do Catete, 1930.
Falando em Brasil, a Revolução de 1930 pode ser entendida como uma revolução? Ora, ela não mudou radicalmente a ordem social no Brasil (embora dela tenha decorrido a industrialização pesada e uma forma de se fazer política menos oligárquica) e nem teve participação popular (assim como a Proclamação da República, ela foi feita por um grupo de militares, agora reunidos com políticos de elites estaduais descontentes com a política do café-com-leite). No entanto, ela contou com o apoio popular, afinal, o povo estava descontente também com os rumos da autoritária República Velha. Contudo, muita gente pensou, na certa, que Getúlio não seria muito diferente dos outros, afinal, os pobres continuariam se ferrando. Vargas e seu governo foi autoritário também, mas de uma maneira mais "moderna", mesmo assim algumas transformações (algumas foram medidas populistas como a política de valorização do trabalhador, outras contudo ele apenas desenvolveu sem ter um controle absoluto sobre elas como a urbanização e a industrialização) ajudariam o pobre a ter mais espaço para se manter e se expressar.
Tanque invade o Palácio Laranjeiras no dia Primeiro de Abril de 1964.
Mais uma polêmica: 1964 pode ser encarado como uma revolução, como queriam os militares, ou um golpe, como dizem seus críticos? A ordem estabelecida não foi modificada mais uma vez, houve uma supressão de alguns direitos democráticos que haviam sido garantidos no período anterior, mas ainda não tinham sido consolidados (a própria atitude de tomar o Palácio Laranjeiras no Rio e depor Jango á força pode ser encarado como o exemplo mais claro disso). Surgiu então um período autoritário que, como Vargas fez na década de 1930, estava "antenado" com o que estava acontecendo no resto do continente: as ditaduras militares, crias da Guerra Fria. Mais uma vez os pobres continuaram do mesmo jeito, embora algumas transformações os ajudasse, como o crescimento econômico dos anos 70. Foi, contudo, um enorme "ouro de tolos", porque as consequências desse plano econômico seriam desastrosas, aumentando mais ainda e consolidando a desigualdade social, como se veria nos anos seguintes.
José Honório Rodrigues
Talvez o Brasil seja um país eminentemente contra-revolucionário, como pensava o historiador carioca José Honório Rodrigues. O que não quer dizer que tivemos confitos radicais, algo que se aproximasse de uma revolução. Ora, tivemos as revoltas regenciais, sendo a Cabanagem o maior exemplo de um movimento popular que quase conseguiu mudar o status quo. A revolta que eclodiu no Pará e no Amazonas teve seus líderes, mas a ação popular sem dúvida foi muito maior. Ela não conseguiu se manter porque haviam muitos interesses divergentes, o que impedia uma união contra as forças legalistas que exterminou boa parte dos revolucionários e do que sobrou da revolução.
Cabanagem no Pará.
Muitos acreditam, aliás, que as revoltas populares regenciais não sobreviveram porque não tinham suas vanguardas. Bem, algumas tinham e mesmo assim não deram certo como a Revolução Praeira e a Sabinada. Acredito que o responsável por isso tudo era o momento, afinal essas revoltas não tinham conhecimento da real força do governo que estava mais unido e antenado com as elites regionais do que se pensa.

Esse artigo não tinha como objetivo fazer um histórico das "revoluções" brasileiras, muito menos tencionava ser um manifesto contra revoluções. Seu objetivo era refletir um bocado sobre o papel do povo nas revoluções a partir da fala de um personagem do filme citado. Bem, a questão está na mesa: nas revoluções o povo tem um papel de protagonista ou coadjuvante? E que papel ele deve ter? As respostas não são fáceis. A minha contribuição aqui hoje foi mostrar, através de alguns exemplos, o que se entende por revolução e que existiram revoluções populares e outras mais "vanguardistas". A última pergunta diz respeito ao posicionamento político de quem responde. Politicamente, sou centro-esquerdista, o que significa que enxergo a democracia como um regime político ideal, onde devemos fazer de tudo para aperfeiçoá-la. O centro-esquerdismo e o centro-direitismo possuem uma linha muito tênue. Ambos defendem a democracia como ideal, embora um evite os conflitos e tensões, enquanto outro as procura. As duas posições, em sua maioria, pensam que chegamos ao melhor do que podíamos chegar. Portanto, não se fala muito em revolução. Eu acredito que a revolução é algo inerente á história do homem. Sempre chegará o momento em que uma ordem social cai e outra começa. Se esse momento chegar, na minha opinião, o povo e "suas" lideranças devem estar unidos, em sintonia, senão a revolução não ocorre ou se desvirtua. Portanto, na minha visão, os dois personagens devem ser protagonistas na revolução. Como Miranda e Malory (embora dos dois, o irlandês tenha maior atenção do diretor como demonstram os flashbacks), dois grandes amigos agindo articuladamente.

sábado, 23 de julho de 2011

Tupi or not Tupi?

Oswald de Andrade (1890-1954) foi o homenageado da Flip desse ano. Além das palestras no evento, muito foi falado sobre ele na mídia, impresa ou digital.Vamos falar um pouco dele aqui e fazer uma breve síntese do modernismo como um todo.
Oswald era filho de uma família tradicional paulistana (por sinal, ele, Mário de Andrade e Drummond não eram parentes, como muitos pensam) e assistiu, como muitos da sua geração, a pequena cidade que era São Paulo se transformar em uma metrópole no começo do século XX.
Educado em colégios de renome como o Ginásio Nossa Senhora do Carmo ou o Colégio Modelo Caetano de Campos, Oswald tinha o diploma de bacharel em Humanidades e, mais tarde, o diploma de Filosofia (fez o curso no Mosteiro de São Bento).

Foto aérea atual do Mosteiro de São Bento em São Paulo.
Dedicou-se á muitas coisas: a pintura, á poesia e principalmente ao jornalismo. Reunia seus amigos através dos jornais e revistas que editava ou fundava, como a Revista de Antropofagia e Klaxon. Antes de viajar para a Europa em 1912, já tinha passado algumas temporadas no Rio de Janeiro e Minas Gerais. Se envolveu na Europa com uma estudante francesa, Kamiá, com a qual teve seu primeiro filho.
Oswald teve muitos amores: Maria Lourdes Andrade (Miss Cyclone), Pilar Ferrer e Julieta Bárbara Guerrini são as menos conhecidas. Quando se fala em Oswald de Andrade duas figuras encantadoras nos vêem á cabeça: a pintora Tarsila do Amaral e a jornalista Patrícia Galvão, a Pagu. Tarsila e Oswald se conheceram um ano antes da Semana de Arte Moderna de 1922. Mário de Andrade e Anita Malfatti, seus velhos amigos, lhe apresentaram á essa pintora que eles consideravam uma das maiores artistas do movimento que eles defendiam, o modernismo. No circuito intelectual da "Paulicéia" e sempre com um pé nos jornais, Oswald conheceu Pagu mais ou menos na mesma época, mas quem era o centro das suas atenções era Tarsila. Os dois viajaram muito pelo mundo e colaboraram mutuamente com suas respectivas obras (a maioria dos livros de Oswald eram ilustrados por Tarsila, e seus quadros eram apresentados por Oswald na imprensa).

Tarsila do Amaral
O relacionamento não foi formalizado. Quando terminaram com ele em fins da década de 1920, continuaram se falando ainda por muito tempo. Pagu, a jovem jornalista que adorava o modo polêmico de Oswald se aproximou mais dele, os dois se apaixonaram e chegaram a se casar (excentricamente em um cemitério). A relação com Pagu, militante do Partido Comunista Brasileiro, aproximou Oswald de grandes figuras da esquerda nacional, como Luís Carlos Prestes. O encontro com Prestes significou, segundo ele mesmo revelou anos mais tarde, um divisor de águas em sua vida. Oswald começou a construir uma obra mais engajada, que incitasse á revolução. No momento, Vargas tinha instaurado uma ditadura no Brasil e Pagu e Oswald foram perseguidos. Com a volta da democracia em 1945, Oswald continua a militar publicamente, mas não está mais junto de Pagu.
Patrícia Galvão (Pagu)
Na década de 1950, o modernismo já consagrado (inclusive pelo inimigo político de Oswald, Vargas, que cooptou vários artistas modernistas como Mário de Andrade para sua política cultural), o escritor paulistano começa a publicar mais ensaios e artigos. A maioria saudando velhos amigos e revelando aspectos do movimento que ajudou a desenvolver.
Mas que movimento é esse? O modernismo foi um movimento organizado por intelectuais brasileiros reunidos nos grandes centros urbanos. Até então, a vida intelectual brasileira era basicamente européia, ou seja, os nosso modelos de pensar e agir vinham de fora, principalmente da França. Muitos intelectuais antes dos modernistas já tinham percebido essa incomoda mania, como Monteiro Lobato ou Lima Barreto, mas eram autores isolados (Lobato foi aplaudido por muitos quando criticou o caipira, mas quando propunha uma solução para nosso marasmo intelectual era ignorado; Barreto, por sua origem e por suas idéias, era tido como um louco e veio a falecer em um sanatório com sérios problemas de bebida, sem nenhum tipo de reconhecimento).

Capa do Manifesto Pau-Brasil
Com o modernismo temos um batalhão de artistas ligados pela denúnica de nossa pobreza intelectual e propondo uma maneira de construirmos uma cultura genuinamente brasileira. Como? Oswald de Andrade acreditava que teríamos que buscar nas raízes de nossa cultura, teríamos que voltar ao tempo do descobrimento. São tidos como bíblias do modernismo seus manifestos do Pau-Brasil e da Antropofagia, escritos em 1924 e 1928, respectivamente.
No primeiro ele diz que o Brasil está no caminho certo, já nos libertamos de nossas amarras colonialistas (através da Semana de Arte Moderna), ainda não temos algo totalmente genuíno, mas estamos chegando lá. Aproveita e crítica todas as outras escolas literárias que vieram antes, importadas da Europa, como o naturalismo, o parnasianismo etc. Defende uma poesia que não seja objeto de luxo, mas uma poesia que se encontra em todos os aspectos da nossa vida, inclusive no cotidiano.
No segundo, influenciado pelo quadro Antropofagia de Tarsila, ele defende que o artista brasileiro, se quer fazer uma obra nacional, deve digerir tudo o que vem de fora e vomitar algo novo. Algo que seria uma mistura do que vem de fora com o que temos aqui dentro. O que propõe é uma reinterpretação do mundo que nos cerca segundo a nossa sensibilidade brasileira.

Antropofagia de Tarsila do Amaral.
Oswald era um profundo conhecedor da cultura européia, como todo intelectual brasileiro de família tradicional era naquele período, mas seu espírito inquieto não se contentava em produzir meras cópias do que vinha sendo produzido em Paris. Muito antes de se construir o grupo modernista, ele já criticava essa falta de preocupação com a identidade nacional. Mas até então sua inovação era atacar as bases do que era consagrado com afiadas e cruéis paródias. Daí sua fama de iconoclasta, de polemista. Num segundo momento, quando o grupo já estava consolidado, ele deixa de apenas atacar o velho para propor algo novo. Inspirado pelos movimentos de vanguarda que andavam sacudindo a Europa, Oswald achou que já era a hora de acontecer algo do tipo no Brasil. Já era hora do Brasil tentar ter seu próprio movimento artístico e esse movimento seria o modernismo.

Macunaíma de Mário de Andrade.
O interessante é que sua proposta é nacionalista, mas não exclui a cultura estrangeira. Através da antropofagia a cultura que vem de fora é redimida, basta apenas ela ser reinterpretada por nós. É um projeto diferente do de Mário de Andrade que defendia o resgate de nossas raízes e a sua reatualização. Mário ainda não tinha passado da primeira etapa de seu projeto (como mostra a sua inacabada Enciclopédia Brasiliense e sua Missão de Pesquisas Folclóricas enquanto esteve á frente do Departamento de Cultura de São Paulo) exatamente porque havia muito a ser resgatado ainda. Mas já tentava dar mostras do que seria feito na segunda etapa, quando escreveu Macunaíma em 1928. Macunaíma é quase que inteiramente baseado nos relatos antropológicos do pesquisador alemão Theodor Koch-Grünberg. Mário une lendas indígenas das mais variadas e em certo momento o cenário deixa de ser a selva para ser a floresta - a reatualização.
Os projetos de Oswald e de Mário são, portanto, um tanto diferentes, mas ambos pregam a criação de uma arte nacional. Oswald possui uma obra vasta que vai do teatro á poesia, uma obra que aos poucos foi sendo revelada. Essa Flip atraiu muita gente não só pelos convidados ilustres, mas também por esse carisma que Oswald têm. Ele é frequentemente tido como o mais rebelde dos rebeldes e realmente suas idéias e obras foram revolucionárias. Elas influenciaram não só uma geração, mas várias gerações. Basta lembrar que o concretismo e o tropicalismo, por exemplo, beberam na fonte do autor de O Rei e a Vela.

Bem, por enquanto é só. Oswald de Andrade e o modernismo é um tema muito interessante (e, porque não, divertido) e muitas vezes um breve resumo acaba se tornando quase uma suma literária ou histórica. Mas continuaremos a falar sobre esse assunto nos próximos posts.

Historiador como ogro

Marc Bloch, medievalista francês e um dos fundadores da Escola dos Annales dizia em seu último livro - Apologia da História ou Ofício do Historiador -  que o historiador deve ser como o ogro. O ogro é um monstro do folclore europeu que lembra muito um gigante que adora comer pessoas. Seu olfato era ótimo, rastreava as pessoas á quilometros de distância.
O que Bloch queria dizer com essa comparação? Que o historiador se torne um canibal? Não, ele completa sua frase dizendo que o historiador deve "farejar a carne humana". Ou seja, ele deve encontrar os homens nas fontes, sejam elas quais forem (livros, documentos, monumentos, arquitetura, culinária, etc).
Bloch acreditava que a História é a ciência dos homens no tempo, nada mais coerente que se procurasse em cada fonte achar algum resquício do homem que a produziu. Vários métodos surgiram no século XX que vieram a ajudar a História á cumprir a ordem de Bloch, como a arqueologia por exemplo, e outras, que já existiram antes, finalmente foram vistas como colaboradoras nessa missão.
Assim, o historiador quando se lança ao estudo de uma língua, de artefatos ou de costumes está tentando ver através deles, está tentando enxergar o homens (ou os homens) que os produziram.
A afirmação de Bloch é importante porque ela quebra com o fetiche pelos documentos que os historiadores anteriores, os positivistas, tinham. Para eles só os documentos oficiais eram fontes históricas e a História era basicamente a história de grandes homens. Bloch diz que a história é feita por todos os homens e que não importa qual fonte seja, se ela tem "cheiro" de gente, o historiador deve usá-la. Ampliando o campo de fontes, Bloch assim daria a deixa para os métodos de que falamos antes, que ajudariam a "farejar" melhor o homem. A interdisciplinaridade foi uma das maiores contribuições da Escola dos Annales para o historiador. Ela melhorou em muito o olfato dos historiadores.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Time

Tradução da música Time do Pink Floyd.
Composta por Nick Mason, Roger Waters, Richard Wright e David Gilmour.


Marcando os momentos que formam um dia monótono
Você desperdiça e perde as horas de uma maneira descontrolada
Perambulando num pedaço de terra na sua cidade natal
Esperando alguém ou algo que venha mostrar-lhe o caminho

Cansado de deitar-se na luz do sol, ficar em casa observando a chuva
Você é jovem e a vida é longa e há tempo para matar hoje
E depois, um dia você descobrirá que dez anos ficaram para trás
Ninguém te disse quando correr, você perdeu o tiro de partida

E você corre e corre para alcançar o sol mas ele está indo embora no horizonte
E girando ao redor da Terra para se levantar atrás de você outra vez
O sol é o mesmo, de uma forma relativa mas você está mais velho
Com pouco fôlego e um dia mais próximo da morte

Cada ano está ficando mais curto, você parece nunca ter tempo.
Planos que ou dão em nada, ou em meia página de linhas rabiscadas
Aguentando um desespero quieto é o jeito inglês
O tempo se foi, a canção terminou, pensei que tivesse algo mais a dizer

Em casa, em casa novamente,
Eu gosto de estar aqui quando posso
Quando eu chego em casa com frio e cansado,
É bom esquentar meus ossos ao lado do fogo
Muito longe, atravessando o campo
O badalar do sino de ferro
Convoca os fiéis a se ajoelharem
Para ouvir feitiços em voz suave.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Um passeio pelo Oriente Médio

Manifestantes queimam foto do presidente sírio.
Voltemos ao Oriente Médio. O Egito anda tentando aprofundar seu processo de redemocratização, embora a economia ainda ande meio má das pernas. Kaddafi continua lutando contra a OTAN e os rebeldes líbios. Israel ainda continua desconfiada com a Primavera Árabe e paranóica como sempre. Na Síria, Assad faz de tudo para continuar no poder; após chamar tanques para deter manifestantes tenta pousar como democrata convocando um encontro para debater os rumos do país. O Irã está na sua, desconfiado como Israel, mas tenta passar a imagem de que essa onda de mudanças que está varrendo o Oriente Médio de alguma forma é controlada por ele.
Osama Bin Laden foi morto, mas já tem um substituto: Ayman al-Zawahiri, um médico egipício que era o homem por trás das cortinas em quase todas as operações da Al-Qaeda. O que mudou agora é que ele está na frente das cortinas.
O fundamentalismo não morreu, os ditadores não caíram. A euforia pode ter passado? As mudanças foram contornadas? Tomara que não.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Paz, Amor e Música!

O Festival de Música de Woodstock, em 1969, é tomado como um dos momentos mais emblemáticos do século XX. Numa cidade do interior do EUA se reuniram hippies, defensores dos direitos dos negros, militantes pacifistas e admiradores do rock. Naqueles três dias de música uma geração parece ter sido reinventada.

Em 2009 uma série de medidas foram feitas para se comemorar os 40 anos desse evento tão marcante. Uma delas foi um filme: Aconteceu em Woodstcok. Coube ao diretor Ang Lee a tarefa de levar ás telas o evento. Como falar de Woodstock sem cair no clichê do "marco da contracultura"? Ele realmente foi um marco, mas tem se falado tanto de Woodstock que temos já uma imagem cristalizada do que foi. um filme que comece num lugar-comum não tem, portanto, nada de novo ou original para mostrar. Como falar de Woodstcok de uma maneira diferente?

Elliot Tiber no ano do Festival.
A saída foi Elliot Tiber. Esse personagem esquecido, talvez ofuscado pelas estrelas que subiram naquele palco (como Janis Joplin, Jimmi Hendrix, etc.), foi um dos maiores responsáveis pelo evento. A equipe do evento não conseguia arrumar um lugar para o show. Incomodados e com medo da platéia que viria para o festival, muitas pessoas exigiam que o show fosse fora de sua comunidade.

Elliot Tiber em 2009.
Elliot era um rapaz com seus 30 anos que além de ser presidente da Câmara de Comércio de sua cidade, ajudava também os pais a consertar seu hotel, com medo de perderem sua hipoteca. Mas Elliot, nas horas vagas, se dedicava a incentivar produções artísticas (ele costumava pintar e ofereceu o celeiro de sua mãe como palco para um grupo de teatro experimental) e, podendo conseguir uma licença para o show por conta de seu cargo na comunidade e ansioso por pagar a hipoteca dos pais, decide oferecer seu terreno como cenário para o show.
Michael Lang (Jonathan Groof), responsável pelo festival, e Max Yasgur (Eugene Lévy), dono da fazenda.
Infelizmente, pelo terreno possuir um lago e um brejo, os empresários decidem que não seria ali. Mas Elliot sabe onde eles podem encontrar um terreno melhor: a fazenda de seu amigo Yasgur, que também gosta da música que eles trariam para a cidade. Fica decidido que o show seria ali então. Desse momento em diante Elliot tem que lidar com a desaprovação da comunidade local, que teme os hippies e sua "indecência", e com as novas tarefas que vão surgindo no hotel de seus pais.

O palco do Festival de Woodstock.
Nunca foi dado os devidos créditos á Elliot Tiber por ter conseguido achar um local para o evento. Em entrevista recente, ele afirma que talvez isso tenha acontecido porque ele é homossexual e ainda se tem um certo desconforto em dizer que foi "um gay que salvou Woodstock". A história veio á tona quando ele escreveu um livro há quatro anos atrás. O livro caiu nas mãos de Ang Lee. Ali havia uma oportunidade de explorar Woodstock de uma nova maneira.
O pai (Henry Goodman) e a mãe (Imelda Stanton) de Elliot (Demetri Martin) durante uma conversa.
Ang Lee é um diretor que gosta de abordar assuntos familiares e na história de Elliot havia uma tensão entre ele e seus pais. Afinal, o rapaz tinha um pai caladão e meio indiferente e uma mãe neurótica que só pensava no dinheiro. Era uma família disfuncional. Elliot aceitou cuidar de seus pais como uma penitência, como uma sentença que parecia que nunca teria fim. Além disso, ele era homossexual e achava que isso o transformava em uma pessoa anormal. No meio de uma comunidade interiorana e dentro de uma família meio desestruturada, Elliot procurava esconder sua identidade com medo das represálias. Resumindo, Elliot eraum sujeito trabalhador, mas reprimido, seja pela sua condição de homossexual ou pelas suas obrigações familiares.

Elliot (Demetri Martin) tendo uma "viagem" com um casal hippie.
Quando o pessoal de Woodstock chega na cidade parece que as coisas mudam de ângulo. Elliot está agora no meio de pessoas que não se importam se ele é gay, ao contrário, o aceita. Essas pessoas são livres para fazerem o que quiserem e quando quiserem. Enxergam o mundo a partir de uma nova perspectiva, algo mais abrangente e harmonioso. E Elliot gosta de tudo isso. Ele pode sentir que está realmente vivendo, está aproveitando a sua vida sendo ele mesmo.
A história de Elliot nos ajuda a entender o real peso de Woodstock na história dos EUA: foi um momento, no meio de uma época de guerra, em que se cultuou o amor e a paz. A liberdade era palavra de ordem. A liberdade permitia que as pessoas vivessem realmente, se libertassem um pouco do medo e da indiferença que vinha dominando o mundo com a Guerra Fria. Foi essa proposta, essa atmosfera, que mudou Elliot para sempre. Elliot passou a viver, assim como seu pai, antes moribundo, foi revitalizado, como confessa no final do filme. Claro que alguns conflitos e tensões não foram resolvidos - como a sua relação com sua mãe. Mas sua vida mudou radicalmente.
Ang Lee
Ang Lee é especialista em abordar assuntos familiares e outros tidos como "triviais" de uma maneira natural e precisa e é o que ele faz. A relação entre Elliot e seus pais é muito natural e realista, assim como também são as relações com a sua comunidade. A interpretação dos atores aqui ajuda e muito (principalmente do comediante Demetri Martin como o protagonista e de Imelda Stanton como a mãe dominadora). A maioria do elenco está impecável porque eles souberam como construir seus personagens. Infelizmente, muitos personagens não foram bem explorados pelo filme (como o travesti Vilma, o fazendeiro Yasgur, o amigo de Elliot, Billy, etc).
Mas esse defeito não deve eclipsar os acertos. Muitos vão dizer que as imagens do show, dos cantores, não terem sido aproveitadas é outro defeito. Mas acredito que essa atitude faz parte da estratégia de ver Woodstock de uma maneira diferente. Por falar nisso, a fotografia do filme (que ficou á cargo do francês Eric Gautier) está excelente. Ela não abusa do psicodelismo, tenta retratar tudo de uma maneira sóbria, ela segue o realismo que Ang Lee queria dar ao filme.

O resultado é que temos um filme realmente original. Não diria que é um épico, mas é um grande filme. Consegue ter a grandiosidades dos estúdios cinematográficos e a profundidade de um filme mais independente. Muitos irão se identificar com Elliot e entender porque Woodstock foi tão importante para uma geração inteira. Como disse um crítico de cinema, ao final do filme você também vai querer ser hippie. Sinal de que a mensagem do filme foi bem transmitida. Recomendo para os interessados em História e para os admiradores de um bom filme. Namastê!

Da Poesia

Natureza morta, Johannes Tischbein.
Da Poesia
Neide Archanjo

Esculpo a página a lápis
e um cheiro de bosque
então me aparece.

Que a poesia é feita de romãs
daquilo que é eterno
e de tudo que apodrece.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Em busca do tempo perdido...

Marco Aurélio Coelho Paiva tem uma teoria: de que o grosso da intelectualidade amazonense surgiu com a decadência econômica do estado. Ou seja, os intelectuais locais só assumiram sua identidade regional a partir da crise da borracha.
Sua análise deve muito á Bordieu e Chartier, pois "representação" e "campo" são duas palavras que se repetem muito. O autor confessa que de Bourdieu tirou a idéia de que o campo social não está livre do mundo social e de Chartier que a cultura (os intelectuais e artistas) produzem símbolos que se bem analisados revelam muito sobre o contexto em que foram escritos.
Paiva já falou sobre o trabalho de três intelectuais locais, até onde eu sei: Silvino Santos, Arthur Cézar Ferreira Reis e Mário Ypiranga Monteiro. Silvino é conhecido como o cineasta das selvas, enquanto Arthur Reis é tido como pai dos historiadores amazônicos. De todos, Mário Ypiranga é que tem menor renome fora de Manaus, embora sua obra seja vasta.
Silvino Santos
Silvino produz seus filmes aproveitando o exotismo da Amazônia, apresentando ao mundo a natureza singular da região. Mas seu filme não se concentra só na natureza. Ele apresenta a Manaus da Belle Epoque. Mostra o porto, as ruas largas, algumas casas e fábricas. É a civilização amazonense. Silvino nos apresenta assim a floresta e o que há de mais exótico nela: a "Paris dos Trópicos".
Silvino está reproduzindo um discurso criado pela elite amazonense, preocupada em atrair mais investidores e em se glorificar. Qual seria o feito mais grandioso que não a construção de uma cidade cosmopolita no meio de uma selva densa e quase impenetrável. Era a conquista da civilização sobre a bárbarie, a natureza. Conquista essa feita pela elite local. Ora, Silvino reproduz esse discurso porque ele trabalha para essa elite (o filme foi encomendado pela família Araújo, dona da maior firma comercial da Amazônia).

Arthur Cézar Ferreira Reis

Arthur Cézar Ferreira Reis foi alvo de uma pequena nota sua, na realidade quem se aprofundou nesse pesquisador foi a historiadora Lademe Correa Souza. Foi ela quem associou essa visão edificante do Amazonas com o livro de estréia de Reis: História do Amazonas. Nele, o autor a toda hora lembra o heroísmo dos personagens que desbravaram o sertão amazônico. Elenca os heróis e alguns vilões. Enumera as razões porque o Amazonas é um estado digno (dentre elas, por vencer a floresta, participar da unidade nacional e por abolir a escravidão antecipadamente num "ato solidário e humanista").
Reis está falando em outro momento: enquanto Silvino fez seu filme no momento inicial da crise, quando esse dicurso começou a se firmar, o jovem historiador está falando no começo da década de 1930, quando Vargas parece representar uma boa saída para a crise. Reis, influenciado por Álvaro Maia, quer instigar a juventude local a proteger o seu estado e ao governo federal que ajude o Amazonas a se reerguer.
Mário Ypiranga Monteiro
Mário Ypiranga Monteiro, por sua vez, repete alguns objetivos de Reis como a construção de um panteão cívico local. Mas seu alvo principal é a juventude local. Ele quer apresentar aos amazonenses aquilo que o faz serem amazonenses: sua cultura e sua história, se focando mais na primeira. No final da década de 1940, o estudo do folclore ganha destaque. O folclore é associado com a identidade nacional, acredita-se que ele seja a cultura brasileira genuína. Á nível regional, Ypiranga achava o mesmo. Em seus estudos sobre folclore ele acredita que a peculiaridade do foclore amazônico resida em de três fatores: o grande poder da floresta e dos rios nele, a predominância do elemento indígena e a quase ausência do elemento negro. Essa seriam, portanto, a base da identidade amazônica.
Era comum á maioria dos pesquisadores dessa área acreditar que as bases da nossa identidade, seja nacional ou regional, residia na cultura popular, mas que quem conseguia traduzi-las eram os intelectuais, aqueles que se reuniam nos institutos de pesquisa. A maioria também chegava a uma conclusão preocupante: a de que a modernização pela qual o Brasil vinha passando (urbanização, industrialização, influência estrangeira, etc.) iria acabar com o folclore e nossa identidade. Ypiranga acredita que o Amazonas, tomando como maior exemplo Manaus, não passaria por isso, justamente porque tinha "estagnado" após a borracha. O folclore tinha sido mantido e estava se desenvolvendo aqui, embora espera-se uma modernização para tirar o estado da pobreza econômica. O pesquisador não enxerga, por exemplo, que foram nos anos da Belle Epóque em que nosso folclore foi mais ameaçado até então, justamente porque pretendia-se construir um modelo de vida europeu aqui. Novamente, a Belle Epóque é poupada de duras críticas.
O que mais denuncia a origem social desse discurso é o seu projeto de futuro: a volta aos anos dourados da Belle Epóque. Já sabemos que esses anos foram dourados só para uma pequena parte da população, a elite. Esse é um momento tido, pelas gerações seguintes, como uma época importante, definidora dos rumos do Amazonas e que precisa ser ressuscitada. Sua ambição era essa.
A decadência faz os intelectuais amazonense se preocuparem em construir sua identidade. Ela é feita basicamente como uma vitrine para o Brasil e para o mundo: o Amazonas progressista, o Amazonas cívico, o Amazonas genuínamente brasileiro, etc. Mas ela também é voltada para os amazonenses, para que eles façam alguma coisa. É um discurso que procura a ação. A ação, contudo, deve levar ao que era antes, á Belle Epoque. Saudosismo acompanhado de um pequeno complexo de inferioridade (o que fazia com que essa elite apostasse mais na espera por medidas vindas de fora do que "colocar a mão na massa") seriam a essência desse campo intelectual.
Para Marco Aurélio Paiva essa é a marca da intelectualidade amazonense de então.

domingo, 17 de julho de 2011

A solução

Charge de Novaes.
APRÉS DRUMMOND
Luis Fernando Veríssimo

(Da série “Poesia numa hora dessas?!”)

Mundo, mundo, vasto mundo
se eu me chamasse Eike Batista
não seria uma rima
mas seria uma solução.

Na ponta da faca

José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo Silva.
Comentarei aqui com atraso um fato acontecido aqui perto, no estado vizinho: o assassinato de dois líderes extrativistas numa emboscada feita no assentamento em que moravam.
O casal José Cláudio Ribeiro e Maria do Espírito Santo moravam num assentamento em Nova Ipixuna (Pará), numa região conhecida por conflitos agrários. Em uma palestra em Manaus, por ocasião de um evento que discutia a sustentabilidade, José revelou que já tinha sido ameaçado de morte.
Os dois defendiam a reforma agrária, principalmente nessas paragens onde o resto do Brasil ilude-se em pensar que por causa da florestas não há latifúndio. O historiador Arthur Cézar Ferreira Reis lembrava que o Amazonas enfrentou, com a política pombalina, uma tentativa de sair do extrativismo, da coleta das "drogas do sertão", para a agricultura, o latifúndio. Esse projeto deu muito mais certo no Pará, mas logo depois veio a borracha e voltamos ao extrativismo. A situação só veio a mudar na década de 1970, quando o governo tentou criar agrovilas na Amazônia e incentivou a criação de colônias aqui. A preocupação era que a terra fosse tomada por estrangeiros, por isso se incentivava a vinda de pessoas para cá, a maioria do nordeste. Mas não havia fiscalização sobre a terra. Assim, o grileiro se tornou uma das figuras mais conhecidas da região.

Darly Alves Silva e Darcy Alves Pereira: pai e filho.
Darly Alves era um sujeito que veio do Paraná atraído pelas promessas do governo. Foi para o Acre. Ali ele se instalou em uma agrovila que depois veio a fracassar. O jeito que encontrou para sobreviver foi tomar terras de alguns agricultores locais. Foi tomando terras e mais terras e na década de 1980 ele já era um grande fazendeiro. Começou a criar gado.
Chico Mendes
Você não sabe quem é Darly Alves? Ele foi o homem que mandou matar o seringueiro e líder comunitário Chico Mendes no final da década de 80. Chico Mendes era um trabalhador da floresta, um seringueiro, e queria que abandonássemos o modo de trabalho do extrativismo de então (pautado na exploração) e a economia sem planejamento a que ele era subordinado. Dizia que seus maiores inimigos eram os latifundiários que já no final dessa década começavam a desmatar a Amazônia para construir pastos.
Dorothy Mae Stang
A missionária Dorothy Stang tinha um discurso parecido, mas dirigido ás comunidades ribeirinhas do Pará. Também foi assassinada. O crime chamou a atenção da mídia nacional e internacional. A investigação levou á um grande fazendeiro local, mas ele foi libertado até onde eu sei por falta de provas.
Muitos morreram na Amazônia por conflitos agrários, contudo, algumas mortes adquirem maior visibilidade como era o caso da de Chico Mendes, um homem que tinha conquistado fama mundial, ou Dorothy Stang, que era uma clériga estrangeira. Mas o conflito por terra faz baixas na população todo dia. José Cláudio e Maria foram mais uma delas.
A polícia descarta a possibilidade de que o crime tenha sido cometido por esses motivos, mas todos desconfiam que por trás da emboscada exista algum desafeto do casal justamente por causa de suas posições.
Esse texto pode passar a impressão de que estamos demonizando os latifundiários, mas não é o caso. Existem muitos fazendeiros que possuem negócios legais, mas o que se sobressaia ainda são aqueles que abusam da falta de punidade e fiscalização. Foi á margem da lei que esses personagens sombrios floresceram, cometendo crimes contra vidas humanas e o meio ambiente.
A Amazônia não pode ser inimiga do latifúndio, mas também não pode ser refém dele. Uma maneira de acabar com a dependência exagerada, principalmente nos recursos alimentícios, pode ser incentivar a criação de plantações ou mesmo de gado, desde que elas não firam a biodiversidade local. O latifúndio pode ser uma das soluções, assim como o minifúndio, a pequena propriedade. Este último mataria dois coelhos com uma cajadada só: a dependência de gêneros alimentícios e a necessidade de uma reforma agrária. A pequena propriedade, seja ela individual ou em forma de cooperativas, pode ajudar a proteger a floresta seguindo um desenvolvimento sustentável.
Não são soluções novas, pelo contrário, muitos já a defendem há anos atrás - o economista Paul Singer, que desenvolve um trabalho sobre cooperativas e economia solidária, por exemplo. Em alguns lugares já foram até aplicadas. O que se espera é que elas sejam elevadas ao status de política pública, estendidas á toda essa região. Contudo, o projeto de Código Florestal quem vem sendo discutido no Senado parece não pensar nelas. Uma de suas medidas mais polêmicas é justamente no que tange á fiscalização: os governos estaduais decidem o que é área de preservação permanente e as multas. Ou seja, essa medida pode muito bem ser manipulada segundo os interesses de quem tem poder e já desmatou. Além disso, pequenos produtores estariam isentos da responsabilidade de criar áreas de preservação, isso sem falar que todos os produtores que levaram multas até 2008 podem ser anistiados se vincularem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA). As coisas ficaram convenientemente vagas (mais informações aqui).
Charge de Santiago
O Código Florestal em muitos aspectos me lembra a lei dos Cercamentos criada pela rainha Elizabeth I na Inglaterra do século XV: uma reforma agrária ao contrário. Os Cercamentos expulsaram os camponeses de suas terras e as distribuíram entre os nobres. Com isso, os latifúndios floresceram na Inglaterra e as cidades incharam. Será que sabendo destas consequências nosso governo fará o mesmo? O fato do Código Florestal encontrar fiéis defensores não deixa dúvida. Contudo, os camponeses ingleses não tinham uma coisa que temos (ou achamos que temos): democracia. Impedir que isso aconteça é mais possível á nós do que foi com eles.
O Código já foi aprovado na Câmara dos Deputados, mas ainda tem de passar pelo Senado, onde algumas medidas podem ser eliminadas ou incluídas. Uma vez aprovado no Senado ele tem de passar pelo crivo da presidente Dilma Roussef que pode não aprová-la totalmente ou parcialmente. Muitas das medidas, com o pretexto de preservarem o meio ambiente e o pequeno produtor, foram incluídas como forma de conquistar o apoio de uma bancada ruralista, porém a pressão popular pode ajudar a retirar algumas. No entanto, o que menos se vêe são ataques em massa ao Código Florestal. Parece que o assunto esfriou. Assim como o assassinato de José Cláudio de Maria do Espírito Santo. Vamos deixar isso realmente passar e depois nos perguntarmos por que morrem tantas pessoas no campo ou por que a Amazônia está sendo devastada, como se não soubessemos e como não fosse nossa culpa?