segunda-feira, 18 de julho de 2011

Em busca do tempo perdido...

Marco Aurélio Coelho Paiva tem uma teoria: de que o grosso da intelectualidade amazonense surgiu com a decadência econômica do estado. Ou seja, os intelectuais locais só assumiram sua identidade regional a partir da crise da borracha.
Sua análise deve muito á Bordieu e Chartier, pois "representação" e "campo" são duas palavras que se repetem muito. O autor confessa que de Bourdieu tirou a idéia de que o campo social não está livre do mundo social e de Chartier que a cultura (os intelectuais e artistas) produzem símbolos que se bem analisados revelam muito sobre o contexto em que foram escritos.
Paiva já falou sobre o trabalho de três intelectuais locais, até onde eu sei: Silvino Santos, Arthur Cézar Ferreira Reis e Mário Ypiranga Monteiro. Silvino é conhecido como o cineasta das selvas, enquanto Arthur Reis é tido como pai dos historiadores amazônicos. De todos, Mário Ypiranga é que tem menor renome fora de Manaus, embora sua obra seja vasta.
Silvino Santos
Silvino produz seus filmes aproveitando o exotismo da Amazônia, apresentando ao mundo a natureza singular da região. Mas seu filme não se concentra só na natureza. Ele apresenta a Manaus da Belle Epoque. Mostra o porto, as ruas largas, algumas casas e fábricas. É a civilização amazonense. Silvino nos apresenta assim a floresta e o que há de mais exótico nela: a "Paris dos Trópicos".
Silvino está reproduzindo um discurso criado pela elite amazonense, preocupada em atrair mais investidores e em se glorificar. Qual seria o feito mais grandioso que não a construção de uma cidade cosmopolita no meio de uma selva densa e quase impenetrável. Era a conquista da civilização sobre a bárbarie, a natureza. Conquista essa feita pela elite local. Ora, Silvino reproduz esse discurso porque ele trabalha para essa elite (o filme foi encomendado pela família Araújo, dona da maior firma comercial da Amazônia).

Arthur Cézar Ferreira Reis

Arthur Cézar Ferreira Reis foi alvo de uma pequena nota sua, na realidade quem se aprofundou nesse pesquisador foi a historiadora Lademe Correa Souza. Foi ela quem associou essa visão edificante do Amazonas com o livro de estréia de Reis: História do Amazonas. Nele, o autor a toda hora lembra o heroísmo dos personagens que desbravaram o sertão amazônico. Elenca os heróis e alguns vilões. Enumera as razões porque o Amazonas é um estado digno (dentre elas, por vencer a floresta, participar da unidade nacional e por abolir a escravidão antecipadamente num "ato solidário e humanista").
Reis está falando em outro momento: enquanto Silvino fez seu filme no momento inicial da crise, quando esse dicurso começou a se firmar, o jovem historiador está falando no começo da década de 1930, quando Vargas parece representar uma boa saída para a crise. Reis, influenciado por Álvaro Maia, quer instigar a juventude local a proteger o seu estado e ao governo federal que ajude o Amazonas a se reerguer.
Mário Ypiranga Monteiro
Mário Ypiranga Monteiro, por sua vez, repete alguns objetivos de Reis como a construção de um panteão cívico local. Mas seu alvo principal é a juventude local. Ele quer apresentar aos amazonenses aquilo que o faz serem amazonenses: sua cultura e sua história, se focando mais na primeira. No final da década de 1940, o estudo do folclore ganha destaque. O folclore é associado com a identidade nacional, acredita-se que ele seja a cultura brasileira genuína. Á nível regional, Ypiranga achava o mesmo. Em seus estudos sobre folclore ele acredita que a peculiaridade do foclore amazônico resida em de três fatores: o grande poder da floresta e dos rios nele, a predominância do elemento indígena e a quase ausência do elemento negro. Essa seriam, portanto, a base da identidade amazônica.
Era comum á maioria dos pesquisadores dessa área acreditar que as bases da nossa identidade, seja nacional ou regional, residia na cultura popular, mas que quem conseguia traduzi-las eram os intelectuais, aqueles que se reuniam nos institutos de pesquisa. A maioria também chegava a uma conclusão preocupante: a de que a modernização pela qual o Brasil vinha passando (urbanização, industrialização, influência estrangeira, etc.) iria acabar com o folclore e nossa identidade. Ypiranga acredita que o Amazonas, tomando como maior exemplo Manaus, não passaria por isso, justamente porque tinha "estagnado" após a borracha. O folclore tinha sido mantido e estava se desenvolvendo aqui, embora espera-se uma modernização para tirar o estado da pobreza econômica. O pesquisador não enxerga, por exemplo, que foram nos anos da Belle Epóque em que nosso folclore foi mais ameaçado até então, justamente porque pretendia-se construir um modelo de vida europeu aqui. Novamente, a Belle Epóque é poupada de duras críticas.
O que mais denuncia a origem social desse discurso é o seu projeto de futuro: a volta aos anos dourados da Belle Epóque. Já sabemos que esses anos foram dourados só para uma pequena parte da população, a elite. Esse é um momento tido, pelas gerações seguintes, como uma época importante, definidora dos rumos do Amazonas e que precisa ser ressuscitada. Sua ambição era essa.
A decadência faz os intelectuais amazonense se preocuparem em construir sua identidade. Ela é feita basicamente como uma vitrine para o Brasil e para o mundo: o Amazonas progressista, o Amazonas cívico, o Amazonas genuínamente brasileiro, etc. Mas ela também é voltada para os amazonenses, para que eles façam alguma coisa. É um discurso que procura a ação. A ação, contudo, deve levar ao que era antes, á Belle Epoque. Saudosismo acompanhado de um pequeno complexo de inferioridade (o que fazia com que essa elite apostasse mais na espera por medidas vindas de fora do que "colocar a mão na massa") seriam a essência desse campo intelectual.
Para Marco Aurélio Paiva essa é a marca da intelectualidade amazonense de então.

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