quarta-feira, 25 de julho de 2012

Para além do "another brick in the wall"


Não há lugar melhor para se entender política que a sala de aula. E há quem pense que a escola é um lugar inocente...
Há professores que de primeira já desqualificam os alunos porque não sabem conjugar dois verbos no tempo certo. Ou então pelas preferências musicais deles. Mas há de se reconhecer que os alunos estão longe de serem burros. A maioria tem uma leitura de contexto muito aguçada.
O aluno, principalmente de Ensino Médio, sabe muito bem o que é autoridade, por mais indiferente ou rebelde que seja. Ele sabe que o professor é o representante direto da autoridade escolar. Ele sabe que se aproximar dele significa mais status. Assim como sabe também que enfrentá-lo, desafiá-lo, tem o mesmo efeito.
O soberania na sala de aula, acredita ele, reside nos demais colegas e não no professor. Ele é apenas um cara que acha que manda em alguma coisa. Na teoria ele manda sim na sala, mas se todos os alunos reprovam suas ações ele não pode fazer nada. Quando ninguém quer ter aula, acaba não tendo. A não ser que o professor incorpore Ivan, o Terrível e toque o terror na galera.

Há de se levar em consideração também que o aluno de Ensino Médio está em uma idade onde ele quer se afirmar no mundo, por isso precisa de atenção a todo minuto. A encrenca não é gratuita, ela pode servir como um letreiro neon, chamando a atenção da turma para um sujeito carente em vários sentidos.
Deixando um pouco o papo pedagógico, o fato é que o aluno quer ser percebido e para tanto se usa de diversas estratégias, sendo uma delas a bagunça. A outra pode ser aproximação com o professor em busca de reconhecimento e eventualmente de algum favorzinho. O professor tem de estar consciente disso. A sala de aula é também um tabuleiro de xadrez. Há vários interesses envolvidos. Como administrá-los?
Isso varia de sala para sala. O professor tem de ter a sensibilidade para saber onde está pisando, para dosar sua resposta a estes desafios. A compreensão do universo do aluno e a interação com ele é uma das bandeiras que os novos métodos pedagógicos defendem. Mas vamos problematizar um pouco mais isso: até que ponto é válido o professor se aproximar do aluno?
O que tenho percebido no estágio é que essa é uma prática arriscada, mas que pode dar bons frutos. A professora que acompanhei no estágio cultivava muitas amizades com as turmas, ao ponto de saber exatamente quando uma aluna estava triste ou um aluno estava nervoso, apesar das maneiras que muitos disfarçam. Mas ainda assim, ambas as partes se respeitavam. Muitos não diziam palavrão na presença dela. E convenhamos, garotos e moças com os hormônios á flor da pele não falando palavrão é mais raro que mico-leão dourado.

Já outro colega se aproximou de tal maneira dos alunos que estes não mais o respeitavam em sala de aula. A todo momento apelavam para a forte amizade que tinham como forma de escapar de um exercício ou mesmo ficavam bravos por terem tirado uma péssima nota. O que fica patente aí é que os estudantes não costumam encarar as pessoas como multifacetadas. Ou seja, um professor pode ser um cara nobre e sério numa hora, mas em outro momento, em uma roda de bar, por exemplo, pode ser o homem mais engraçado e companheiro do planeta, mas para eles isso é impensável. O professor chato de Química é chato 24 horas por dia na semana.
O aluno é multifacetado também. Na sala de aula ele pode se sentir mais livre para ser piadista ou cafajeste, enquanto em casa é mais inibido. O aluno tem seus alter-egos. Apesar de todos sermos diversos, cometemos esse erro. Os dois lados cometem esse erro: o professor não coloca fé no aluno e o estudante não procura entender o seu educador.
Voltando á polêmica: um professor pode ser amigo de seus alunos? Pode perfeitamente, desde que ele imponha limites para essa amizade. Sabendo que muitos confundem profissionalismo com amizade, é preciso dosar a intimidade. Fazê-lo entender que da porta para cá é uma coisa e do portão para a rua é outra. Entender essa divisão de espaços ajuda até no amadurecimento do aluno.
E quanto á questão de quem manda na aula? Continua sendo o professor. Mas atenção: ele não deve mandar como um rei absolutista. Ele tem de atuar como um administrado e um diplomata. Primeiro, expondo diretrizes. Depois, negociando interesses. O conhecimento é construído e não vomitado na cabeça dos alunos. Para construirmos esse conhecimento precisamos ter no mínimo uma direção senão o caos criativo da sala de aula pode se tornar uma anarquia estudantil.

Um professor se propõe a falar de Grandes Navegações e Expansão Marítima, digamos, e um aluno pergunta sobre a veracidade dos Evangelhos do Mar Morto. Boa pergunta, mas o tema da aula não é esse. Um bom professor responderia, mas não se estenderia demais no assunto. Se ele não respondesse, criaria o trauma nos alunos, inibindo que outros façam mais perguntas. Se respondesse e se alongar no papo chegaria ao fim da aula com um monte de teorias da conspiração (e os alunos adoram isso!) e nada de mercantilismo.
Mas há casos e casos. Dois exemplos: em uma aula sobre a Independência do Brasil se fala do endividamento do país e alguém pergunta como está a dívida externa hoje; falando sobre holocausto, alguns estudantes começam uma discussão sobre ética que não estava planejada na aula. Eu acho que nos dois casos é necessário se estender um pouco mais no tema. 
Primeiro, por que o interesse nas aulas é difícil de se construir. Claro que o bom professor consegue reverter essa situação. Segundo, o interesse do aluno vem geralmente de algo que dialogue com seu mundo e sua vida - e essa é uma das maneiras de fazê-los participar das aulas. Eles estão tentando entender o mundo a sua volta e ao mesmo tempo construir sua identidade. Eles não sabem o que é dívida externa, globalização, neoliberalismo, mas sabem que eles estão ai, na cara de todo mundo. Eles querem construir o seu caráter e uma lição de vida, por mais clichê que possa parecer, pode ajudá-los.
Enfim, se fosse comparar o bom professor com alguém seria com o líder populista. Sem pensar duas vezes! Não estou me referindo ao aspecto da demagogia e da corrupção, mas da sensibilidade que o político populista tem em relação ao seu eleitorado e como ele administra os interesses de todos de forma a criar uma certa "paz social". A sala de aula tem de ser um ambiente saudável. O conflito é bom, afinal democracia é conflito também, mas um tipo de conflito mais sutil e não o conflito pelo conflito. É preciso que todos se sintam á vontade para fazerem perguntas e contribuições. Lembrando que no âmbito da "política escolar", a boa conexão entre professor e alunos é algo frágil, mas ainda assim poderosa.

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