quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Pré-discussão sobre o humor

Você consegue definir humor? "Ah, é aquilo que me faz rir". Maluf me faz rir e não o considero um humorista. E aí? Vou te adiantar uma coisa: nesse post, consideraremos como humor tudo aquilo que produzido com a intenção de te fazer rir. Pode ser algo que você mesmo faça nos eu dia-a-dia, como uma piadinha, ou até mesmo uma sketche toda cheia de detalhes elaborada por um comediante (se quiser mais definições, dê uma olhada aqui).
Hoje fala-se muito em humor. Humor isso, humor aquilo. Isso porque no nosso cenário nacional existem muitos objetos humorísticos não-identificados aparecendo no radar da opinião pública. Sim, estou falando das piadas sobre estupro, homossexualismo e cia. Esse burburinho todo suscita uma questão: onde o humor acaba e onde ele termina?
O humor nunca foi muito importante para os filósofos. Tirando um ou outro, quase ninguém se preocupou em entender a mecânica do riso ou a essência do humor. No momento me lembro de dois apenas: Descartes (que tentou dissecar literalmente o riso) e Bergson (que se preocupou em fazer tipologias do que é "humorível"). Já muitos governantes e homens públicos sempre sentiram o poder do humor, por isso sempre tentaram reprimi-lo ou manipulá-lo.
Ou seja, há mais de mil anos rimos sem saber porque. Aliás, sabemos o porque só não sabemos defini-lo muito bem. Alguns dizem que o verdadeiro humor é aquele que debocha das desgraças da vida, outros que é aquele que nos faz pensar e alguns acham até que ele não serve para nada, só para passar o tempo.
Humor é subjetivo: o que te faz rir pode não me fazer rir. Para mim Costinha é genial, para ela é Month Phyton. Tudo é relativo. O problema é que a maioria das pessoas emprega ao definir humor esse seu juízo de valor: "humor de verdade é o humor negro". Vamos tentar entender isso: não existe um humor, mas vários tipos de humor. Várias formas de fazer rir, nas mais diferentes plataformas: oral, escrita, audiovisual, etc.
Esse é o maior problema para se definir as fronteiras do humor. O que vou fazer aqui é dar uma contribuição pessoal, minha visão do tema. Em se tratando da questão das fronteiras, a vulgaridade tem sido o país vizinho ao humor. E as piadas acusadas de serem preconceituosas são a área em litígio disputada por ambos. Primeiro, o que consideramos como vulgaridade? É aquilo feito para denegrir alguém? Ora, então 99% do humor da Humanidade nos últimos séculos pode ser considerado vulgaridade, pois ele tem se pautado em explorar os defeitos das pessoas, em ridicularizar personalidades, dentre outras coisas. As paródias á Hitler, George Bush, ditadores árabes, senadores brasileiros corruptos devem então ser proibidas pois são "baixaria"!
Qual a diferença para o humor? É que a "baixaria" tem explícito seu objetivo de destruir moralmente o alvo escolhido. É denegrir por denegrir e não denegrir para fazer rir ou para fazer pensar. Tomemos o buylling como exemplo: quando se atenta para os fatos da orelha do colega serem imensas, a intenção primeira é inferiorizar o coitado. Perceba se quem pratica buylling faz o mesmo com si próprio. O objetivo último é sempre diminuir seu próximo. Isso é vulgaridade.
Sendo assim, um humorista não fala vulgaridades, já que ele sempre tem a intenção de fazer rir? Não. Um humorista continua sendo um ser humano como todos nós, passível desses erros. Quem nunca tentou denegrir alguém que atire a primeira pedra. Todos nós em algum momento da vida fazemos isso. Mesmo defensores do politicamente correto ás vezes desmoralizam seus adversários na cara dura. O problema é insistir em fazer isso. Ou seja, não tentar escapar desse tipo de atitude ou mesmo fazer disso seu guia de comportamento é o que acho errado.

Boas notícias!


O Ministério da Educação (MEC) definiu o piso nacional do magistério em R$ 1.451. Um aumento de 22% e pouquinho em comparação com o ano passado. Um aumento significativo comparado com o dos últimos anos. Um aumento feito com base no crescimento do valor mínimo por aluno do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). Cresceu o número de alunos, aumenta-se o piso salarial do professor. A Lei do Piso garante que em 40 horas semanais de trabalho todo professor tem direito á esse valor. Nem um pouco á mais, nem á menos.
Os professores estão comemorando, já alguns políticos, principalmente governadores, estão espumando de raiva. Seu discurso é o mesmo: não podemos pagar, não temos dinheiro suficiente para pagá-los, blá blá blá... Ora, aquele município ou governo estadual que não pode completar a cota exigida deve recorrer ao governo federal, uma vez que ele completará o resto com suas verbas. Essa é a função do Fundeb, ora bolas! 
O que pode garantir que o piso seja instituído? Talvez uma paralisação geral. É o que a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) propõe: greve de 14 a 16 de março. Estaremos lá.

Poder, razão e religião na Casa Verde



As cronicas da vila de Itaguaí dizem que em tempos remotos vivera ali um certo médico, o Dr.Simão Bacamarte, filho da nobreza da terra e o maior dos médicos do Brasil, de Portugal e das Espanhas. Estudara em Coimbra e Pádua. Aos trinta e quatro anos regressou ao Brasil, não podendo El-Rei alcançar dele que ficasse em Coimbra, regendo a universidade, ou em Lisboa expedindo os negócios da monarquia.
-A ciência, disse ele a Sua Majestade, é o meu emprego único; Itaguaí é o meu universo.

Assim começa um dos meus contos preferidos de Machado de Assis: O Alienista. Publicado pela primeira vez no livro Papéis Avulsos em 1882, essa é também uma das histórias mais conhecidas do Bruxo do Cosme Velho, inspirando um cem número de peças e filmes, sem contar o pontapé que deu no turismo da cidade de Itaguaí. Basicamente a história gira em torno do médico Simão Bacamarte que acredita que a loucura é um conceito muito mais amplo do que se acredita e acaba por internar quase toda a cidade no seu sanatório, a Casa Verde.
Abaixo, deixo com vocês uma análise do conto feita por Ivan Teixeira, professor de Literatura da USP e da Universidade do Texas, que faz uma interessante leitura histórica da saga de Bacamarte (essa análise foi publicada no Caderno Mais da Folha de S. Paulo de 27 de janeiro de 2008).

O ALTAR E O TRONO
Ivan Teixeira

Consensualmente, pensa-se que "O Alienista" (1882) fala da loucura como condição para satirizar o positivismo. Sustenta-se também que o texto ridiculariza a centralização do poder.
Em outra perspectiva, é possível interpretar a novela como paródia da luta pelo controle social, singularizada em momento agudo da disputa entre a igreja e a ciência,que domina mas verdadeiras hipóteses de comando -na narrativa, a política (vereadores e povo) nada mais faz do que se desgastar em gestos de retórica inoperante.
De modo mais amplo, trata-se de uma resposta alegórico-humorística a um conjunto de questões do Segundo Reinado: dissidências entre o Estado e a igreja; consolidação da psiquiatria no Brasil; discussões sobre a unidade do Império.
Fiel a certa diretriz internacionalista da Igreja Católica, o bispo de Olinda, dom Vital de Oliveira, proíbe, em 1872, a presença de maçons nas irmandades de sua jurisdição, no que foi seguido por dom Antônio de Macedo, em Belém. O Estado manifestou-se contra os interditos episcopais.
Como os bispos relutassem em sobrepor a Coroa ao Vaticano, o Conselho de Dom Pedro Segundo condenou-os a quatro anos de prisão.O Vaticano protestou, e a população brasileira ficou dividida.Houve mobilização política e cultural, até que,em 1875, os prelados foram anistiados. O imperador ter-se-ia, então, declarado "vencido, mas não convencido".
Os caricaturistas das revistas ilustradas produziram intenso discurso anticlerical. Rafael Bordalo Pinheiro, sintetizando o desfecho da crise, publicara uma charge em que o imperador recebe golpes de Pio Nono, com a legenda: "Afinal...deu a mão à palmatória!".
Sete anos após o conflito, Machado de Assis entrouno debate por meio da alegoria de "O Alienista", empregando o ceticismo irônico contrato das as forças em jogo, particularmente contra a Igreja Católica. A novela pode ser entendida como uma variante verbal das caricaturas do período, das quais sepode tomar a de Bordalo Pinheiro como símbolo, graças a seu poder de síntese.
Nas veladas insinuações da autoridade do padre Lopes sobre Simão Bacamarte, vislumbra-se o interminável debate entre a teologia e a ciência, empenhadas com igual obstinaçao em apresentar a melhor hipótese sobre a origem do mundo e os meios de governá-lo.
Na trama, a igreja não só vigia como procura orientar os movimentos da ciência. Esse pormenor, aliás, será um dos enigmas da narrativa, que, em meio ao crescente prestígio da ciência, como que esconde, para revelar, a camaleônica autoridade da igreja sobre aquela noção que  se projeta até o final do texto, quando o vigário pronunciará o veredicto sobre a insanidade do alienista.
Bacamarte, impondo-se como o mais elevado grau de racionalidade civil, será metáfora não só de D. Pedro Segundo, mas do governo ilustrado da razão. Sua face cômica decorre do exagero da convicção no poder moderador do juízo, propriedade que, não obstante, torna-o primeiro e único na cidade.
Padre Lopes, por outro lado, será interpretado como encarnação das infiltrações dos arranjos de corte e do suposto bom senso, orientados para o controle da população. As alusões contra a igreja não pretendem caracterizar sua disposição para o mando, mas ironizar os artifícios empregados para dissimular essa disposição.
Apesar do zelo do clero contra a ciência, padre Lopes não resiste ao segundo conceito de loucura da novela e é internado na Casa Verde. Mas, como a terapia lhe oferecesse a hipótese de uma fraude vantajosa, reduz-se imediatamente à normalidade do vício e é solto.
O alienista, por suspeitar que ele próprio seja a única pessoa com retidão de caráter em Itaguaí, põe-se à prova diante de um conselho presidido pelo padre Lopes. O vigário não hesita em denunciar as invulgares qualidades éticas do médico - o que o obriga a se internar como anormal, por correto.
Assim como, na narrativa da história, o Vaticano triunfou sobre o imperador, não se pode negar que a novela termina pela vitória da teologia.
Após encarcerar a ciência na Casa Verde, padre Lopes, que antes elogiara as virtudes do médico, impõe-se o trabalho de espalhar o boato de que jamais houvera outro louco em Itaguaí a não ser o alienista.
No limite, o livro insinua o princípio de que o poder deve emanar da razão, encarnada em feixe ideal de forças concêntricas de virtudes absolutas, que se associam à ciência, à isenção e à verdade, concebidas como adequação do logos à práxis. Mas, como o mundo vive às avessas, essa noção também não resiste ao riso.

O mundo vai se acabar em frevo!


Quem me conhece sabe: não sou um grande admirador do carnaval. Mas não sou um de seus inimigos fidagais. Ano passado impedido de ir na Banda da Bica por causa da dengue perdi uma oportunidade de ver, sentir e experimentar o carnaval amazonense. Esse ano agarrei a oportunidade. E de jeito! Sábado gordo fui á Banda do Galo. Criada em 2004 por engenheiros pernambucanos que viviam aqui e sentiam saudade do clássico bloco de rua de Recife, o Galo da Madrugada, a Banda do Galo cresce a cada ano. Ao que tudo indica vai se tornar mais uma tradição do carnaval amazonense.
Show do Galo da Madrugada do ano passado.
Talvez você não saiba, mas o Galo da Madrugada, que começou com uma brincadeira de um bairro de Recife, é o maior bloco de rua de carnaval do mundo (está no Guiness Book desde 1994). Desde 1978, o bloco vem crescendo. Já é tradição: os camarotes e o galo imenso feito de balão pendurado sob a Ponte Duarte Coelho. Esse ano o homenageado foi Luiz Gonzaga. O maior símbolo do frevo pernambucano homenageando a maior figura do baião pernambucano! Aliás, o lema adotado pela versão caboca do Galo foi "o mundo vai se acabar em frevo".
A Banda do Galo sairia ás 13h, até onde eu sei, da Praça do Eldorado, como vem fazendo a quatro anos, mas houve algum problema e os trios elétricos só puderam sair lá pelas 14h e pouco. Enquanto isso ficamos na Praça, circulando e bebendo tudo, menos água. Rolou até vinho, em homenagem ás origens gregas do carnaval (o culto á Dionísio, o deus da alegria e do vinho).
Foto: David Reis.
Foram dois trios elétricos. Ficamos logo atrás do primeiro. Era um mar de gente tentando dançar (afinal era muita gente para pouco espaço) e cantando o hino de Pernambuco (Salve ó terra dos altos coqueiros!...), do Galo da Madrugada (Ei pessoal, vem moçada! Carnaval começa com o Galo da Madrugada!...) ou Frevo Mulher do Zé Ramalho. O sol castigando. E ninguém dando a mínima.
Um gringo chegou a saudar a micareta do alto de um dos quartos do Caesar Business, mas logo sumiu depois do coro gritando "Viado!Viado!". Quando chegamos perto do Amazonas Shopping , tendo a Djalma Batista logo abaixo do nós, nova confusão: dois brincantes subiram em cima de um ônibus (o trânsito da outra pista da Darcy Vargas não tinha sido interditado, mas um monte de foliões desaguaram ali, congestionando-o). Mas á pedidos da direção do trio elétrico e sob vaias da galera, eles desceram.
Então chegamos num ponto folclórico: a passagem pelo viaduto. Antes já tinham me avisado: depois que você passa pelo viaduto você fica mais leve! Mas fomos lá! 

A surpresa foi que não estava tão quente como tinham me avisado, mas meus amigos perderam óculos, sandálias, diademas, etc. Eu olhava para os lados e via gente encostada no meio-fio e via gente que desmaiava de tanta bebida. Sem falar daqueles que vomitaram. Ainda esbarrei com alunos do colégio em que estagio, para desespero deles (e meu). Mas engraçado era a onda que se fazia: dava-se um espaço, esperava-se o trio se distanciar para que avançássemos sobre ele como numa corrida, aí voltávamos ao mesmo embalo.
O tanto de pisão que levei no pé não tá no gibi. Cheguei em casa e percebi que aquela coisa inchada e suja que vinha me seguindo eram os meus pés. Depois de lavar várias vezes passei a cogitar a possibilidade de cortá-los fora. Enfim, passamos do famigerado viaduto numa boa. Mas tivemos de parar logo depois, no pedaço dos Pãezinhos. Alguns de nós não estavam se sentido bem. Esperamos que melhorassem, mas como parecia que iria demorar achamos o mais correto deixarmos o colega em casa. Resumindo, essa figura tava numa manguaça federal! Portanto, não fomos até o final do bloco, na Praça do São Pedro, mas aproveitamos muito a folia.
Estou esperando para saber como vai ser ano que vem ou antes, claro, se o mundo se acabar em frevo.
Foto: Olga Almeida.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Um dia histórico!


Veja como é a vida: eu acordei pensando que esse seria mais um domingo como todos os outros. Ás 16h eu descobri que estava errado (17h no horário de Brasília).
Hoje o Fluminense ganhou a Taça Guanabara, saindo de um jejum de 19 anos! É o primeiro clássico que o Flu ganha desde 2010! E não foi com um placar apertado: logo no primeiro tempo marcaram 3 gols, deixando um gol do Vasco vazar.
O Vasco era um oponente muito forte, estava fazendo uma campanha muito boa no campeonato carioca. Por isso eu esperava no mínimo um empate. Mas Abel Braga demonstrou que sabe o mapa da mina. Deco, Fred, Thiago Neves, Nem, todos eles foram bons - principalmente Deco - , embora alguns (Nem e Neves) tenham cometido uns erros graves no segundo tempo.
O primeiro tempo foi a melhor parte do jogo, sem dúvida: um jogo equilibrado, acirrado, que depois de um pênalti fuleiro abriu margem pro Fluzão. Praticamente dois gols seguidos! No segundo tempo, o Vasco começou a se impor. O jogo ficou meio na retranca, mas era visível o esforço vascaíno.
Enfim, foi um jogo emocionante. Uma data histórica para os tricolores!

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Minutocontos # O Mágico

O Mágico (2010).

-Pense numa cor!
Verde.
-Verde?
Meu Deus, como ele faz isso?
-Sim, é verde mesmo...
O cara é muito bom.
-Obrigado! obrigado...
Será que ele também lê mesmo o pensamento das pessoas?
-Agora, senhorita, pense num número de 1 a 100.
Oitenta e quatro.
-O número é... Oitenta e quatro?
De novo! Esse homem é muito bom! Ele sabe tudo que está na minha cabeça. Peraí, será que ele sabe realmente TUDO o que está na minha cabeça?
-O que foi, Rê?
-Ai, Camila, eu me senti mentalmente violentada agora...

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Nuvens negras sob São Paulo

Foto: Marcos Bezerra.
Não tinha como não ficar sabendo do que aconteceu na apuração de votos das escolas de samba de São Paulo. Apareceu na TV, no Facebook, no rádio, em todos os lugares. Logo me vi  impelido a comentar tal fato. Em primeiro lugar, vamos entender o que aconteceu. Bem, entender eu acho que ninguém entendeu muito bem, então vamos fazer um esforço. Estava a apuração de votos acontecendo com a Mocidade Alegre á frente de todos e a Império de Casa Verde logo atrás, no quarto lugar. Do nada um cara vazou a corrente da segurança, pulou sobre a mesa dos jurados, roubou os votos e os rasgou, fugindo logo em seguida.

O bonitão aí, até onde se sabe, é um dos integrantes da Casa Verde, membros da diretoria inclusive, segundo informações confiáveis (boatos). Se só fosse isso já seria bizarro. Imagine então toda a torcida dos Gaviões da Fiel avançando contra os jurados, o cerco de seguranças e o pessoal de outras escolas. Começou o maior quebra-pau. Para completar, alguém ateou fogo nos carros alegóricos da Pérola Negra e logo uma nuvem de fumaça se levantou no meio da cidade. Com a devida licença poética, essa nuvem negra manchou a cidade.

Preso e interrogado o cara teria dito que fez o que fez porque tinham feito um acordo com os jurados de que nenhuma das principais escolas sairia do Grupo de Acesso. Acontece que dois jurados saíram e seus substitutos não sabiam do trato, dando a vitória para Mocidade Alegre e eliminando a Império de Casa Verde do Grupo de Acesso do ano que vem. Que beleza! Maracutaia na banca de jurados. E até parece que é novidade... Todavia, o "pequeno protesto" do homem incitou um quebra-pau e um incêndio.
Agora me pergunto: o que está havendo de errado? Ora, é normal acontecer desentendimentos no carnaval. Afinal, é uma festa onde o álcool e a farra costuma falar mais alto. Mas nunca um desentendimento dessa proporção. O sujeito não aprecia estar embriagado, assim como boa parte dos torcedores da Fiel. O que aconteceu então? Simplesmente a revolta de terem perdido? Creio que sim. Mas competição de escolas de samba é assim: alguém ganha e alguém perde. Não é a primeira vez que a Casa Verde perde.

A impressão que tenho é que cada vez mais perdemos a esportiva. Não me refiro somente á competições carnavalescas, mas á tudo em geral. Como se o time perder, não se classificar no vestibular ou levar um fora da garota fossem o fim do mundo. As coisas estão muito radicalizadas ultimamente: ou é oito ou é oitenta. Tudo tem de ser levado ao pé da letra. Tudo menos a política poque todos já se desencantaram com a política.
Mas acho que não foi só isso. Acredito que haja dentro de muitos um sentimento de frustração que acaba em revolta, mas uma revolta que não pode aflorar no dia-a-dia. Deixemos então ocasiões onde nos é permitido liberá-la, como no final de semana ou no carnaval, para extravasar. Ás vezes não precisa nem ser numa data certa, basta encontrarmos um gancho e vamos adiante. O caso da Geyse Arruda é um exemplo. Também tem acontecido muito isso na internet, perseguição á pessoas que são acusadas de terem feito algo hediondo. Rapidamente se consegue um número considerável de pessoas atacando o indivíduo e em breve travando sua conta na web ou coisa parecida.

Em outras palavras não direcionamos nossa raiva para um único objeto. A guardamos, a alimentamos e quando encontramos um alvo perfeito pela frente descemos o lenho nele. Com tanta informação em tão pouco tempo sempre há alguma infame personalidade ou fato para ser atacado. Ora, o próprio caso da baderna na apuração dos votos foi o bastante para que fossem colocados no saco todos os corintianos e reafirmados velhos preconceitos contra eles na internet.
Claro que não é uma situação exclusiva da cidade de São Paulo, apesar de que acredito que esse incidente tenha uma particularidade. Em São Paulo, uma cidade rica, formal e muitas vezes estressante, a frustração com certeza é maior. Por isso não me admiro que casos de espancamentos de homossexuais, mortes de mendigos e brigas entre torcidas organizadas aconteçam nessa metrópole. Não estou com isso querendo dizer que a capital paulistana é um viveiro de vândalos, não. O que quero dizer é que aqui há com certeza um nível de estresse e de acobertamento desse estresse muito maior. Freud já dizia: quanto mais você reprimir suas neuroses, com mais força elas voltarão.

E em se tratando de neuroses as grandes cidades brasileiras são campeãs nisso. Engarrafamento, trabalho desgastante, má condição de moradia, péssimo transporte coletivo, falta de luz, etc. Tudo isso se une num caldeirão de descontentamento. O divertimento passa a ser o combustível de todos, mas quando se ameaça cortar o seu fornecimento aí a porca torce o rabo. Ao invés de procurar dosar ou negociar nossas paixões entramos logo na defensiva, melhor, na ofensiva.
Pode ser que eu esteja divagando demais, pode ser que sejam apenas psicologismos fajutos os que estou evocando aqui, mas é a minha sincera opinião sobre tudo que está acontecendo. Uma opinião que eu forjei depois de me inquietar com a violência e discutir com pessoas que também se interessam em entender esse fenômeno. Não é o espelho da verdade o que estou afirmando aqui, mas acredito que posso ter acertado pelo menos um pequeno, minúsculo fragmento dele aqui.

Gostaria de encerrar como de costume com uma impressão e uma provocação. Não é por acaso que o vandalismo é também conhecido como violência gratuita. É assim, em pequenas explosões, que nós tentamos nos manter saudáveis. O problema é que não percebemos que esse é um círculo vicioso: quanto mais explosões, mais pessoas envolvidas e daí é um passo até chegarmos á explosões maiores. Uma má nota num desfile de escola de sambas é motivo para uma guerra civil? Quem sabe, em alguns anos será.

Lima Barreto e a filosofia carnavalesca

MORCEGO
Lima Barreto (1881-1922)
O carnaval é a expressão da nossa alegria. O ruído, o barulho, o tantã espancam a tristeza que há nas nossas almas, atordoam-nos e nos enche de prazer. Todos nós vivemos para o carnaval. Criadas, patroas, dou­tores, soldados, todos pensamos o ano inteiro na folia carna­valesca.
O zabumba é que nos tira do espírito as graves preocupações da nossa árdua vida. O pensamento do Sol inclemente só é afastado pelo regougar de um qualquer Iaiá me deixe. Há para esse culto do carnaval sacerdotes abnegados.
O mais espontâneo, o mais desinteressado, o mais lídimo é certamente o Morcego. Durante o ano todo, Morcego é um grave oficial da Di­retoria dos Correios, mas, ao aproximar-se o carnaval, Morcego sai de sua gravidade burocrática, atira a máscara fora e sai para a rua.
A fantasia é exuberante e vária, e manifesta-se na modinha, no vestuário, nas bengalas, nos sapatos e nos cintos. E então ele esquece tudo: a pátria, a família, a humanidade. Delicioso esquecimento!... Esquece e vende, dá, prodigaliza alegria durante dias seguidos.
Nas festas da passagem do ano, o herói foi o Morcego. Passou dois dias dizendo pilhérias aqui, pagando ali; cantando acolá, sempre inédito, sempre novo, sem que as suas dependências com o Estado se manifestassem de qualquer forma. Ele então não era mais a disciplina, a correção, a lei, o regulamento; era o coribante inebriado pela alegria de viver. Evoé, Bacelar!
Essa nossa triste vida, em país tão triste, precisa desses videntes de satisfação e de prazer; e a irreverência da sua alegria, a energia e atividade que põem em realizá-la, fazem vibrar as massas panurgianas dos respeitadores dos preconcei­tos.
Morcego é uma figura e uma instituição que protesta contra o formalismo, a convenção e as atitudes graves.
Eu o bendisse, amei-o, lembrando-me das sentenças falsamente proféticas do sanguinário positivismo do senhor Teixeira Mendes. A vida não se acabará na caserna positivista enquanto os "morcegos" tiverem alegria...

Correio da Noite, Rio, 2-1-1915.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Não me leve á mal, hoje é carnaval!

Foto: Geraldo Lazzari.

SÁBADO MAGRO
Quando a multidão passou, o corpo apareceu. Já a consciência só vai aparecer lá pela quarta.

SAUDOSISMO PROFANO
Relembra debruçado na janela os momos e vedetes do passado. Algum problema? Afinal, ele fez um voto de castidade, não de amnésia.

DURONA
Tem gente que com dois copos já entra em coma alcóolico, já ela... só com dois engradados.

AQUELE AMIGO INCONVENIENTE
Há quanto tempo? Mas que pena, você emagreceu! Recuperou a auto-estima ou enjoou de ser rei-momo?

AVISO DE UTILIDADE PÚBLICA
O Galo da Madrugada adverte: não tente dançar frevo se você não sabe. E não, beber não vai fazer você saber, apenas vai fazer você deslocar o pé. Gratos.

INCONFORMADO
Todo mundo fala da Mangueira. Mangueira isso, Mangueira aquilo. Mas e a Portela? Até a nossa Velha Guarda é mais velha que a deles!...

TEIMOSA
Eu estou lúcida! Me soltem! Eu estou lúcida, já disse! Eu aguento ir até o fim do bloco!... Ué, cade o bloco? Ei, devolvam ele!!

GAIATO
Um beijinho, um beijinho, ele pedia. Ganhou vários nos últimos nove meses. Todos da mesma mulher.

QUEM É VIVO SEMPRE APARECE
Contrariando as manchetes ianques, Osama apareceu no bloco de rua.

COSPLAY
A diferença, mãe, é que a fantasia é melhor e tem todo um trabalho de interpretação envolvido...

ORIGENS
Etilicamente falando, todos desonram a festa: ninguém vai pular carnaval bebendo vinho. Baco deve estar se revirando em sua cova olímpica.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

O Armando é coisa nossa!

O carnaval amazonense tem muitas tradições e a Banda da Bica é uma delas. Esse ano ela não pode sair por causa do grave estado de saúde de seu patrono, Armando Dias Soares, que estava internado por conta de uma pneumonia que já vem castigando nosso bom portuga desde dezembro.
Falando nele, deem uma olhada nesse pequeno documentário paraense sobre o Armando:


Uma raridade!


Garimpando coisas na internet, achei essa preciosidade: um trecho do programa Ensaios da TV Cultura com o ator e compositor Mário Lago (1911-2002). No vídeo em questão ele canta a sua marchinha imortal Aurora e conta como ela foi composta. Mas o que mais me chamou a atenção são os causos e apelidos dos colegas do Café Nice que Mário conta com a maior naturalidade.
Pra quem não sabe quem é Mário Lago: ele era filho de um maestro com uma ragazza, filha de um músico anarquista, por isso sempre teve o que o povo chama de "ouvido musical". Era formado em Direito, mas o que gostava mesmo era de compor músicas com seus colegas de boemia. De compor e de atuar. Começou na Rádio Nacional, depois migrou pra TV Tupi e para TV Globo. Fez inúmeras novelas: Selva de Pedra, Barriga de Aluguel, o Casarão, etc. O papel que desempenhou em Hilda Furacão, do qual eu mais em lembro, era a sua cara: um bon vivant humilde e sereno.
Lago era sempre escalado para fazer o sábio velhinho ou o ricaço de terceira idade, sempre personagens sérios. Mário era sério sim, ainda mais quando a questão era política. Comunista de carteirinha, inclusive casado coma filha de Henrique Cordeiro, um dos cabeças do Partidão. Chegou a visitar a URSS em 1957, mas se decepcionou com a política cultural soviética. Mesmo assim continuou militando. Por isso foi preso em várias oportunidades: na década de 30 com Vargas, nos anos 40 com Dutra e em 64, por motivos óbvios.
Lago fazendo o placar de algum jogo do Fluzão no tempo do Rivelino.
A coisa também ficava séria se alguém mexesse com seu time do coração, o Fluminense. Em se tratando de futebol era menos espirituoso que Nelson Rodrigues. Quando o tricolor caiu pela primeira vez no rebaixamento Mário quase teve um ataque do coração e desde então nunca perdoou os jogadores e a diretoria envolvida nessa tragédia das tragédias.
Mas engana-se quem acha que ele era um homem sisudo. O próprio vídeo comprova o contrário. O senso de humor de Mário era afiado. Em uma entrevista lá pelos anos 90 confessou que trocava telefonemas com Paulo Gracindo constantemente. Solidários pela idade avançada que compartilhavam, um ligava para outro para saber se ainda estavam vivo, mas sempre inventavam na hora uma desculpa esfarrapada. Isso sem falar dos apelidos que ajudou a carimbar nos colegas de boemia. Corcunda de Notre-Nice para Orestes Barbosa ou Suvaco para Orlando Silva são apenas alguns exemplos que o vídeo nos apresenta.
Para quem não conhece o Café Nice: Avenida Rio Branco, 174. Esse era um dos pontos de encontro da malandragem carioca de 1928 até 1956 quando foi fechado. O seu espaço era dividido em dois ambientes: um mais classudo para os lanches e outro mais apertadinho para um café e um pão com manteiga, em outras palavras, um lanche rápido. Era nesse último em que a maioria dos cantores de rádio e compositores frequentavam. Teve gente que o apelidou de "maior mercado de música popular do mundo" por essa razão. Ali se encontravam compositores que precisavam de dinheiro e cantores do rádio interessados em encomendar uma marchinha ou uma polca.
Café Nice abrindo as portas.
Antes de ir: duas informações. A primeira é que a música que Mário fala que foi o seu grande desgosto nos minutos finais do vídeo é Menina, eu sei de uma coisa. Aliás, sua composição de estréia em 1936. A segunda é que Mário foi biografado pela historiadora Mônica Pimenta Velloso em Mário Lago: Boemia e Política (livro que cobiço já há algum tempo) e é homenageado com um site próprio para comemorar seu centenário em 2011: Mário Lago 100 anos - Homem do Século XX. Nesse site você poderá ter acesso a sua autobiografia inacabada.
Para concluir, Mário Lago era  um artista multimídia: roteirista, compositor, ator, produtor, etc. E era também um híbrido, no dizer de Mônica Velloso: nele a cultura popular e a cultura erudita se encontravam sem perderem a linha.
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Obs: Sobre o papo da Amélia eu falarei com mais detalhes em outra oportunidade.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Lá vai uma vela aberta...


Walter Franco para mim era um desconhecido. Essa música por outro lado, já conhecia há tempos. Pensava que era do Tavito. Cometi uma injustiça imensa e estou decidido a repará-la:
Walter nasceu na capital paulista em 1945 e tinha como amigos desde o pessoal do concretismo como Augusto de Campos como do tropicalismo, como Rogério Duprat e Júlio Medaglia. Na hora de compor com os amigos era uma festa, mas na hora de gravar os LPs a coisa mudava. Walter nunca gostou do crivo um tanto autoritário das gravadoras. Fez poucos discos, mas muitas músicas. As mais famosas são Cabeça, Coração Tranquilo (que, na minha opinião, ficou perfeita na voz da Leila Pinheiro), Que Seja Feita a Vontade do Povo e, claro, Vela Aberta.
Ele ainda está na ativa. Faz shows principalmente na terra natal.
E para fechar com chave de ouro, a tal música que me desperta anseios de navegar:
[Fui obrigado a retirar o clipe que aqui postei por causa das notificações da EDA].

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O Cabaré de Madame Clio

Que ironia! Em frente ao sisudo e sem graça Departamento de Efemérides e Evolução Histórica se encontra a mais colorida e alegre casa de shows da cidade. De fachada modesta, tirando o afresco na entrada (presente de Eliseu Visconti), o Cabaré de Madame Clio em tudo contrasta com o prédio de portas cinzentas. Enquanto em um só entram engravatados ou heróis embalsamados, aqui todo mundo é bem vido, desde o astronauta até o peixeiro.
No enorme prédio, cubículos onde se produz efemérides em larga escala ou qualquer outro assunto burocrático. No sobrado relativamente pequeno, o térreo é dedicado aos shows e ás esbórnias, enquanto o primeiro andar se encontram os quartos de suas artistas. Na verdade, cabaré não define muito bem o estabelecimento: ele tem de tudo um pouco. Serve-se bebidas, acontecem shows musicais e saraus, joga-se dominó e carteado. Enfim, é bem eclético. Claro que a maioria vem pelas coristas, mas o time dos apreciadores de uma boa conversa também se fazem presentes.
Difícil dizer quando ele foi criado. Dá a impressão, pelo menos para mim, que sempre existiu. Suas paredes parecem serem anteriores ao tempo e ainda assim sempre vivas. Estranha sensação. Tomei conhecimento de sua existência assim que entrei na faculdade, há cinco anos trás. Numa noite ingrata eu e meus amigos fomos chorar nossas mágoas no mais distante boteco que achássemos. Encontramos o Cabaré de Madame Clio e a noite se mostrou não tão ingrata assim. Desde então sou um assíduo frequentador.
Sou fã das meninas e vez ou outra tieto algum ídolo que eventualmente dá as caras por lá. Mas o que mais me cativa é o clima do ambiente. Como eu disse é algo totalmente transcendental. Tem cheiro de várias épocas. A luz da casa parece tornar tudo mágico. Enfim, talvez esteja divagando demais.
Ah, esqueci de falar da dona! Desculpem a gafe. Bem, Madame Clio é uma balzaquiana (pelo menos é o que aparenta ser) e está muito longe de ser uma cafetina cruel ou uma matrona cozinheira. Está mais para uma senhora da alta classe: em tudo é elegante, nos gestos e na fala, e o melhor, não tem nariz arrebitado. Tão humilde e carinhosa que muitos já a chamam de Dinda. Agora, sua nacionalidade gera polêmica: já peguei Delgado de Carvalho e Toynbee num arranca-rabo. Um pra provar que ela é grega e outro que é francesa.
A coisa esquentou mesmo quando Febvre entrou na briga e comparou ela com a Marianne da Revolução Francesa. Aí foi patriota voando pra tudo quanto é lado tentando defender o seu quinhão de orgulho.
Ela é a dona da casa. Não sei quando ela teve a brilhante ideia de montar esse cabaré, mas sei que tino para essas coisas ela tem e de sobra. Tudo passa pelo seu crivo. Em tudo dá um pitaco. E desses pitacos saem os momentos grandiosos da casa. Quando eu ainda era novato aqui, ela iniciou uma série de shows temáticos por noite: Antiguidade, Povos Indígenas, Califados, etc. E a empreitada continua até hoje. Ontem a peça apresentada se chamava "Essa pós-modernidade travessa!". Foi um teatro de revista muito... tropicalista.
A presença de Madame é o que dá o tom ao recinto. Sua regra de ouro é "ouvir, discutir, mas preservar o respeito". Quem entra querendo detonar alguém é logo jogado para fora pelos clientes fiéis ao regimento interno da casa. É esse respeito que faz com que pessoas tão díspares como um pintor surrealista e um soldado espartano dividam a mesma mesa. Respeito é a primeira regra, hospitalidade a segunda. Todos são bem vindos, como tinha avisado acima. E em terceiro lugar, a diversão. Segundo ela própria me garantiu uma vez, a intenção do seu cabaré é justamente esse, lembrar o lado lúdico da vida. O lado que os vizinhos em frente á sua casa se esqueceram de cultivar.
Eu gostaria de contar os muitos causos que ouvi lá, sem falar das cenas que presenciei, mas vou deixar para outra oportunidade quando tiver mais tempo. Até lá, fica aqui a dica: se quiserem se divertir e pensar, já sabem onde é o lugar!


NOTAS:
-Clio: A musa da História e da Criatividade, segundo a mitologia grega. Celebra as realizações dos homens.
-Eliseu Visconti (1866-1944): pintor italiano que se naturalizou brasileiro e produziu grandes quadros além de logomarcas para produtos comerciais no estilo Art Nouveau.
-Delgado de Carvalho (1884-1990): diplomata e historiador francês radicado no Brasil, famoso por sua passagem por instituições de ensino de prestígio na então capital federal e por sua contribuição ao IHGB.
-Arnold Toynbee (1889-1975): historiador britânico conhecido por sua proposta de que uma lei rege á dinâmica das civilizações no decorrer da história em seu livro A Study of History.
-Lucien Febvre (1878-1956): historiador francês e um dos fundadores da Escola dos Annales.
-Marianne: mulher com um barrete frígio que passou a ser o símbolo maior da República Francesa. 

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Continente em transe

"Aqui é a África: ninguém se importa!", dispara certo personagem em um dado momento de um filme que assisti há um tempo. Exagero?  Eu acho que sim. A desgraça da África foi que muitos se importaram com ela. Me refiro ás potências européias que a retalharam no século XIX em nome de mão-de-obra e mercado consumidor. França e Inglaterra saíram na frente, deixando para a Prússia, Bélgica, Itália e Cia. Ltda. se virarem. Desses anos e anos de domínio saíram o apartheid, as guerras civis e as ditaduras da África independente.
Hoje, as ONGs e a mídia internacional veem a África como um continente emergido na irracionalidade da guerra e na desgraça da fome sem se perguntarem como isso tudo aconteceu. Isto, contudo, é fácil de ser respondido. Difícil é sabermos o que acontecerá com essa região.
Empresas e países (como o EUA e a China) tem interesses especiais na África. Petróleo, diamantes, os africanos deram o azar de crescerem sobre um solo rico. O interessante é que no ano passado parte da África destoou do que parecia ser a sina tradicional dos países locais. Na Tunísia e depois no Egito ditadores corruptos caíram. A Líbia, após uma guerra civil, ficou livre de Kaddafi. Será que a África Subsaariana também será atingida pelo sopro da revolução árabe?

A mente voa

Aquele escorregãozinho


Na verdade, o nome dela é Simone de Beauvoir.
Ás vezes ataco de contista. Ataco mesmo. As baixas de guerra, contudo, são enormes. O que faço acaba saindo meio artificial, forçado. E não é nem pelas histórias. O problema é a forma como escrevo.
Faço um rascunho numa folha de papel. Até aí tudo bem, mas quando chega a hora de digitar mesmo. Aí o bicho pega. Na minha mania de não cometer erros de português a coisa sai toda engessada. E olha que mesmo assim ainda cometo erros crassos de português.
O que falta para mim é se convencer de que errar faz parte. Faz parte da vida. Quem nunca errou que atire a primeira pedra - não em mim claro, escolha um alvo de sua preferência.
Hoje percebo que não sou o único maníaco. Encontro nos amigos de faculdade o mesmo medo de errar. Ora, o problema não é errar, mas persistir no erro, parafraseando o famoso ditado. Todo mundo, por mais perfeito que seja, dá sua escorregadia.
Machado de Assis, o bruxo do Cosme Velho, um dos maiores gênios da literatura ocidental desse lado tropical do mundo, com um conhecimento esmerado sobre português, também cometeu seus erros de concordância aqui e ali. E o que dizer do papa existencialista Jean Paul Sartre que em visita ao Brasil, após provar água de coco, teria perguntado: "mas como vocês fazem para colocar a água aqui dentro?"
Ninguém está imune ao erro. Agora, viver no erro é outra coisa. Uma das coisas que me incomodava muito (hoje já me acostumei) é o desprezo total por nossa língua que vemos por aí a torto e direito. A nossa educação tem uma culpa mais que considerável nisso. O Brasil é campeão em analfabetos funcionais. O outro lado é a internet. Precisa-se falar rápido aí se comem as sílabas e coisa e tal. Eu até entendo. O problema é que muitos não vêem necessidade em aprender a falar e escrever direito.
Não faz muito tempo rolou aí uma polêmica sobre um livro didático do MEC que apoiava os coloquialismos e girias populares. Foi o maior bafafá: muitos enxergaram como a prova definitiva do populismo e da apologia á ignorância do governo. Eu não cheguei a ler o livro, por isso pouco posso opinar sobre o assunto. O que me deixou irritado foi a defesa da "língua culta" feita por alguns jornalistas nos debates. "A língua culta brasileira deve ser como a de Portugal" e outras aberrações desse tipo.
Sabemos que nosso idioma deve muito á Portugal, mas temos que ver também que nesses 500 e tantos anos nos afastamos um pouco da língua-mãe. O suficiente para podermos dizer que falamos "brasileiro", tamanha a diferença que outras culturas marcaram no nosso jeito de falar. Quanto á usar os coloquialismos, hoje eu não vejo problema algum nisso, desde que a pessoa também aprenda norma culta. Afinal, a norma culta é a que pode garantir um emprego em um estabelecimento rígido, em uma empresa. Cada ambiente tem sua linguagem própria: você não vai chegar para seu vizinho na rua e falar na "zona de conforto do processo empreendedorístico nipônico", assim como dizer em seu relatório ao chefe que "a situação ficou feia" não cai bem. Ao meu ver, o essencial é o cara se expressar bem. Para ele se expressar bem tanto na rua como no trabalho ele precisa conhecer a linguagem que estes ambientes demandam.
Enfim, precisamos trocar nossos óculos: tirar as lentes da oposição e passar a usar as da complementaridade. Tento ser menos perfeccionista e mais orgânico, seja ensaiando contos ou conversando com as pessoas. Erre e deixe viver, passou a ser meu lema.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Três rapidinhas

RAPIDINHAS
Foto: Henry Cartier Bresson.

Cinco versos na chuva...
Cinco versos na estrada...
Cinco versos no pó...
Cinco versos inacabados...
Cinco versos, e só
[Cinco versos]


Pensei, pensei e pensei...
O que dizer a quem eu amo?
E de tanto pensar, não disse nada;
E o olhar de derrota, disse tudo.
[De pensar, sofri só]



Temia o medo, até conhecer a saudade...
Temia a saudade até conhecer o ciúme...
Temo o ciúme, até o fim da vida.
[Sentimomentos]

O Rio e a Vida: Quem Comanda Quem?

O rio comanda a vida. Esse era o título e a mensagem principal do livro do acreano, mas radicado paraense Leandro Tocantins (1928-2004). Escrito em 1952, quando este tinha ainda 21 anos e vivia ainda no Rio de Janeiro, em vias de concluir sua Faculdade de Direito, esse livro conseguiu conquistar uma legião de fãs, dentre eles o historiador amazonense Arthur Cézar Ferreira Reis. Reis se espantou com o estilo e o pensamento do jovem Tocantins e chegou a convidá-lo para ajudá-lo na Superintendência de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) - futuramente transformada em SUDAM - e como representante do governo do Estado do Amazonas.
Mas o que esse livro possui de especial? Tocantins o inicia lembrando como ele foi descoberto. Volta ás crônicas de Vicente Pinzón, Diego de Lepe e de Francisco Orellana, questionando alguns pontos e utilizando outros como força literária. Critica o mito do "País das Canelas" e das amazonas, com base em fontes científicas e históricas.
Leandro Tocantins
Nos conta um pouco da história do Pará, Acre e Amazonas, três estados nos quais o autor passou boa parte de sua vida. Explora alguns aspectos da vida dos ribeirinhos, como sua religiosidades, seu folclore, suas atividades (seja como seringueiro, vaqueiro ou pescador).
O interessante é que Tocantins aborda a vida amazônica utilizando a sua experiência e a ciência como motores de suas considerações. Seu estilo literário consegue estilizar muitas passagens que pareceriam sisudez pura, o que lhe valeu futuramente comparações com Euclides da Cunha, que unia em suas obras ciência e literatura.

A tese de Tocantins fica clara logo pelo título. Em todos esses séculos de história o que tem definido a região não é o homem, mas o rio. Claro, que o homem tem tentado se impor na Amazônia, mas ele não conseguiria sem a sua rica hidrografia. Não por acaso a terra firme, mata adentro, continuava quase não ocupada, enquanto nas várzeas se concentram a maioria da população. A própria Belém, ou mesmo Manaus, foram construídas á margem do rio. Elas cresceram com a navegação e a exportação dos produtos locais, tudo graças ao rio.
Tocantins, no entanto, reconhece em raros momentos que o homem tem conseguido domar um pouco o rio. Mesmo que não seja no sentido que ele gostaria.

O escritor paraense tornou-se famoso por defender uma adaptação do homem aos trópicos, seja no vestuário ou na habitação. Em sua visão, o homem estava agindo errado esse tempo todo na Amazônia, pois estava tentando transplantar a cultura européia para uma região totalmente diferente, ao invés de criar uma civilização nova, fruto da união entre a cultura indígena com a cultura ocidental. Gilberto Freyre tinha chamado o estudo dessa civilização em potencial de luso-tropicologia. Não é de se admirar que Tocantins e Freyre tenham se correspondido por tantos anos e desenvolvido vários congresssos de "amazonotropia".

O que teria acontecido com os planos desenvolvimentistas implantados durante a ditadura militar, como a Zona Franca de Manaus, não era a construção de uma nova sociedade adaptada aos trópicos. Ainda cometeríamos o erro de tentar transformar as capitais amazônicas em cidades cosmopolitas, mas um cosmopolitismo que exclui principalmente a cultura local. Tocantins não critica abertamente esse modelo, uma vez que também defendia o desenvolvimentismo. Ele demonstra essa insatisfação com sua preocupação com o futuro estado da cultura cabocla.
No prefácio á nona edição, o escritor louva o estado progressista da região e lembra a sugestão que o então presidente Getúlio Vargas lhe fez após folhear seu livro em 1952: escrever uma continuação chamada A vida comanda o rio. Ele acredita que o rio hoje não é mais o determinante na vida amazônica, o homem conseguiu domá-lo, seja através de outros meios de transporte ou de outras atividades econômicas. A ambiguidade está em reconhecer esse fato como preocupante ou louvável. Louvável por permitir a criação de uma sociedade moderna e industrial ou preocupante por menosprezar a cultura cabocla, que tanto respeito tinha pelo rio, sua ligação com o resto do mundo e fonte de seu sustento.

(Publicado no Recanto das Letras, 10 de Agosto de 2011).

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Greve á paisana II


Agora vamos refletir um pouco sobre a situação. A imagem que temos da polícia no Brasil é a do policial truculento e corrupto, mas ninguém se interessa em perguntar o por quê disso. Ora temos sim policiais desse tipo, mas a maioria não é assim. Muitos entram na corporação pensando em realmente serem agentes da lei. O que acontece no meio do caminho? O salário baixo, as propostas tentadoras dos criminosos (estou pensando aqui especificamente no caso do Rio de Janeiro) e a burocracia corrompem o cara.
Em Tropa de Elite, José Padilha tenta nos mostrar isso muito bem. Em algum momento ele diz que isso já se tornou uma cultura da corrupção, da violência. Concordo. Mas o debate sobre a segurança pública no Rio foi deixado de lado justo no momento mais oportuno: a ocupação do Complexo do Alemão e da Favela da Rocinha. De repente, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) se tornaram uma panaceia, o remédio dos remédios para endireitar o Rio. E não é só isso. Outro momento oportuno para discutirmos, a greve dos bombeiros no ano passado. O governo tratou tudo como motim militar. A população chiou, manifestando sua gratidão para as pessoas que ajudariam o Rio a mudar de cara.
Agora, como aponta o Francisco Chao, temos outra oportunidade para discutirmos sobre isso. E dessa vez de forma séria e profunda. O deputado estadual Marcelo Freixo, que participou de uma CPI das Milícias e chegou a ser ameaçado de morte, concorda com o debate, embora tenha um pé atrás com a greve.
Eu também tenho um pé atrás com a greve. Afinal, a paralisação deixa a população toda á mercê dos bandidos. Acho interessante a proposta de um dos grupos da PM baiana de continuar trabalhando, mas protestando. Isso pode conquistar o apoio do povo baiano, que parece ter sido perdido diante de algumas mortes que aconteceram por causa da greve em Salvador.
O movimento ainda é muito desorganizado. Falta mediadores. Falta conquistar apoio de outras entidades também (na Bahia o Sindicato dos Bancários aderiram). A situação está ruim sem polícia nas ruas? Está, mas imagine se continuar do mesmo jeito que antes. Com policiais vendidos fazendo vista grossa ou aprontando nas habituais zonas vermelhas. Agora parece que podemos mudar esse painel sombrio, mas só com muito diálogo, muita negociação. E é exatamente isso que não está acontecendo.
O que não ajuda e nenhum pouco nessa situação difícil é o modo como o governo e a imprensa lidam com o acontecimento. Na Bahia, que falarei aqui menos por ter pouco conhecimento de causa da situação lá, o governo de Jacques Wagner levou tropas de choque contra os grevistas e prendeu algumas de suas lideranças. Muitos ficaram surpresos: mas o Wagner não é do PT? A linha de governo do PT mudou, está mais próxima do neoliberalismo que outra coisa. Mesmo derrotando o clã de ACM, Wagner só demonstra com essas atitudes que dele pode se esperar uma nova dinastia baiana. A negociação foi para o espaço.
A imprensa também têm caído em cima dos movimentos, ressaltando o prejuízo das greves e associando o tom dos líderes da greve com o de bandidos. Principalmente a Rede Globo, daí a hostilização dos grevistas contra seus jornalistas. Ora, em toda greve existem pessoas que se aproveitam do conteúdo político para sobrepor seus interesses, agora dizer que todos os líderes do movimento na Bahia e no Rio tem esse mesmo perfil é generalizar ao extremo.
No discurso, estes dois adversários dos grevistas tem batido, indiretamente, na mesma tecla do "policial corrupto e violento", impedindo-nos de enxergarmos o lado á paisana, por assim dizer destes elementos da segurança pública nacional. Aumento no salário e nas gratificações vai resolver tudo? Não. Mas já é um começo. Só não podemos perder de novo a oportunidade de sanear nosso sistema de segurança. 

Greve á paisana I


Primeiro, vamos colocar os pingos nos "is". A greve da PM na Bahia começou no dia 31 de janeiro, após decisão de integrantes da Associação de Policiais e Bombeiros e de seus Familiares do Estado (Aspra). O presidente da entidade e ex-policial militar Marco Prisco foi preso na quinta-feira (9), quando saia do prédio da Assembleia Legislativa da Bahia.
Nem todos participaram da greve. Policiais militares filiados à Associação dos Oficiais da PM da Bahia (AOPMBA) se reuniram na noite de quinta e decidiram não aderir à greve de parte da categoria. "Nós estamos juntos com seis associações e todas são a favor do fim da greve, embora a proposta do governo, principalmente a questão salarial, não atenda às nossas necessidades", disse Edmilson Tavares, presidente da AOPMBA. Convocada em caráter extraordinário, a reunião teve 205 participantes: 151 votaram contra a greve e 54 foram favoráveis.
Também na noite de quinta-feira, a assessoria do governo do estado reafirmou que o governador Jaques Wagner não apresentará uma nova proposta aos PMs. De acordo com a Secom (Secretaria de Comunicação do Governo), não há orçamento para ceder um aumento superior aos 6,5% propostos. O pagamento das Gratificações por Atividade Policial, as chamadas GAPs, que estão entre as reivindicações dos grevistas, também só poderão ser pagas a partir de novembro deste ano.
Na manhã dessa sexta-feira o comando da PM da Bahia anunciou que a greve, na sua ótica, tinha acabado. Porém, na tarde do mesmo dia a Aspra se reuniu novamente e a continuidade da greve foi aprovada.
Na quinta-feira, a greve chegou no Rio onde no ano passado estourou uma manifestação parecida com o apoio da população. Inclusive um dos líderes da greve dos bombeiros na época foi preso por pretender fazer uma paralisação nacional, em uma conversa telefônica grampeada e que veio á público no Jornal Nacional.
O início da movimentação na Cinelândia se deu a partir do fim da tarde, culminando na decretação da greve por volta das 23h. Milhares de policiais e seus familiares se concentraram em frente a Câmara de Vereadores do Rio. À paisana, todos os policiais presentes garantiam estar de folga. Além da questão salarial, bombeiros exigiam a liberdade do cabo Benevenuto Daciolo. Do outro lado da rua, em frente ao prédio da Biblioteca Nacional, 23 PMs fardados, em sete viaturas, faziam o policiamento, aparentemente sem se envolver com a manifestação, que conta com um palco montado nas escadarias da Câmara.
Lá foram feitos discursos inflamados contra Sérgio Cabral e a Rede Globo. Jornalistas do canal tiveram de deixar a cobertura por serem hostilizados, mas jornalistas da Record e da Band permaneceram. Um dos líderes do movimento entre os policiais civis, o diretor jurídico do Sindipol, Francisco Chao, não se limitou a cobrar melhorias salariais, e fez críticas a atual estrutura da segurança pública no Rio de Janeiro. Para Chao, a greve poderá incentivar um debate sobre o tema: "Tenho esperanças de que uma paralisação, além de melhorar nossos salários, vai provocar uma discussão ampla sobre a questão da segurança pública fluminense. No Rio, o governo ainda adota uma visão antiquada e ultrapassada, dos tempos de nossos avós".
Essa manhã, Francisco Chao foi preso junto com outros líderes da manifestação. Eles se entregaram pacificamente.

Sorte

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

"Aula de hoje: Obladi Oblada. Peguem seu vinil e ouçam a faixa 10, classe..."


Se você está cansado de ser apenas um beatlemaníaco seus problemas acabaram: o Departamento de Letras da PUC-RJ irá abrir inscrições para um curso de extensão em Beatles. Infelizmente nós não somos pioneiros em Beatlogia: a Universidade Hope de Liverpool foi a primeira a formar uma mestranda na famosa banda inglesa. A beatlóloga se chama Mary-Lu Zahalan Kennedy e veio do Canadá para a terra do quarteto justamente por sua paixão pela banda.
Se acha que estou brincando é só conferir: o link para a notícia está aqui.
Não pude deixar de lembrar dessa gag das Olívias:
Bem, enquanto não temos um bacharelado em João Bosco ou Djavan, você pode aproveitar o curso sobre os Beatles. Deixando as brincadeiras de lado, os Beatles realmente são um divisor de águas na música internacional. Eles influenciaram não só a música, como o comportamento de uma geração. Tiveram no início um apelo mais juvenil, depois amadureceram musical e politicamente falando e até tiveram seu momento psicodélico. Seja como for, em todas essas fases sempre fizeram música de qualidade, unindo letra e melodia perfeitamente.
A ideia de ministrar um curso sobre os garotos de Liverpool, portanto, tem um bom respaldo. Eduardo Brocchi, professor do Departamento de Letras da PUC-RJ, se entusiasmou com a iniciativa da canadense Mary-Lu Kennedy e colocou as mãos na massa. Depois de três anos, finalmente conseguiu. O valor para se inscrever em "Beatles: História, Arte e Legado"? Uma bagatela de R$ 1860. O próprio Brocchi achou o preço salgado demais. Mas foi esse o meio-termo a que chegaram os professores e a universidade. Fazer o quê?...
Só sei de uma coisa, de abril a junho, os inscritos terão uma "hard day night" bem interessante.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Monóculo


O passado é uma terra estrangeira.
Robert Darnton

MONÓCULO
Enquanto não inventam algo mais sofisticado, continuará a ser minha máquina do tempo portátil. Com ele avisto terras familiarmente estrangeiras.

VERÃO
Banho de mangueira na varanda, empinar pipa na laje, jogar futebol na rua. Esse era o itinerário da minha infância.

SOM DA RUA
A voz grave arranhando as frases dá a impressão de que a vendedora de pastel é a Elza Soares.

TÁ DIFÍCIL
O tio á procura de emprego desabafa coisas que só farão sentido depois. Doze anos depois para ser mais preciso.

SÃO SEBASTIÃO
A procissão do santo flechado passa pela orla da praia. Iemanjá manda um abraço.

FOGUETÓRIO
Fogos. Data comemorativa? Não, dia de semana normal. A única pessoa que está comemorando aqui é o dono da boca de fumo.

NOVELA
Meu avô diz que não gosta, mas só vai dormir depois de ver a das dez.

VIAGEM
Chegando no Espírito Santo entrávamos no fuso-horário dos parentes da roça, onde o dia começa antes de raiar o sol e termina depois de limpar o prato da janta.

APAGÃO
O quarteirão inteiro virava trevas, por alguns minutos. Logo as velas improvisavam estrelas na escuridão.

RUA ALEGRE
Saudade de quando sentávamos na calçada e contávamos as lagartixas que iam aparecendo no muro do vizinho, enquanto o pessoal passava.

PIQUE-ESCONDE
Vamos brincar de pique-esconde? Vamos, mas só vou contar até três!

SEGREDO
O que mais intrigava eram os silêncios. Por que todo mundo fica calado quando a tia visita a casa? Sempre deixei a pergunta pra depois.

HÁBITO
O vizinho me fez odiar Fafá de Belém ao ouvir a mesma música todo dia, no mesmo horário. "Uma leira, uma esteira, uma beira de rio..."

ESCOLA
A única coisa legal na escola eram os gansos que encontrava no meio do caminho. Eles lembram a professora de Matemática.

MANIA
Pode acontecer o que for, mas tenho que desvirar o chinelo. Mamãe ficou doente uma vez porque deixei ele virado no canto do campinho.

PRIVACIDADE
Meu avô deixava os passarinhos na garagem de dia e de noite no banheiro. O que aquele trinca-ferro não presenciou...

COPA
A rua ganhou um teto verde e amarelo de fitinhas. Ganhamos a copa, mas perdemos o bolão.

VOU TENTAR, SENHORA
Uma senhora me pediu: "Você é muito novo para ser saudosista. Deixe isso com os velhos se não nós perdemos nosso trabalho!"
Praia de Sepetiba. Foto: Edson Ribeiro.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Bourdieu: Ser sexy é questão de Habitus

Eu não aguentei: essa eu tinha que compartilhar com vocês! Os Sociais da Depressão preparam uma capa da Men's Health para o povo das Ciências Sociais. Vejam:

Imperdível, não?

Homens e muros (parte III)

Foto: Raphael Alves, A Crítica.

Em 1954, debaixo de um mulateiro na Praça da Polícia nascia um movimento literário que  prometia balançar a cidade de Manaus. Em pouco tempo o pequeno grupo de escritores, pintores e jornalistas ali reunidos teriam conquistado seu espaço na imprensa e na cultura amazonense com contribuições no campo da literatura, da pintura, escultura e do pensamento social. Era o Clube da Madrugada.
Bem, estávamos de arte urbana, grafitti e pichações. Qual a ligação entre o Clube da Madrugada e a arte urbana. Simples. A ligação se chama Poesia de Muro. Foi um das experimentações dos madrugeiros, tendo como seu maior entusiasta o poeta e jornalista Jorge Tufic. O grupo de artistas e pensadores, como falamos, estava interessado em criar uma linguagem nova, amazônica, mas ao mesmo tempo se alimentava de todos os movimentos artísticos do momento. Um deles era o concretismo de Décio Pignatari e dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos que pregava o uso visual do poema e a manipulação lúdica da palavra.
Pós-Tudo, Augusto de Campos, 1984.
Influenciados pelo concretismo alguns poetas amazonenses decidiram fazer uma arte que alcançasse mais as pessoas. Era o ano de 1965 e Aluísio Sampaio, segundo Tufic, foi quem deu a ideia. Tiraram seus poemas das páginas dos jornais e colocaram nos muros. Falando assim não parece tão ousado a empreitada dos madrugeiros: simplesmente mudaram o veículo de suas obras. Tufic, dentre outros, perceberam que não era bem assim: o muro é uma plataforma diferente do papel e por isso demanda técnicas e conteúdo diferentes.
Em ensaio sobre as diretrizes da Poesia de Muro, o poeta nascido no Acre, mas naturalizado amazonense nos aponta algumas características básicas dessa vertente: o anonimato, a construção visual do poema e o engajamento estético e político. Ora, são caracteristicas que encontramos na moderna arte urbana também. O anonimato hoje, com a valorização do grafitti e das intervenções artísticas, não é tão forte como era no século passado, mas o engajamento estético e político ainda se faz muito presente.
Jorge Tufic. Foto: Mauri Marques.
"A poesia de muro se funda numa outra 'realidade' para não dizermos num outro estado de espírito do mundo contemporâneo. Funda-se na desmitificação do fenômeno cultural", nos afirma Tufic, lembrando que o poeta é "um homem que tem fome como qualquer outro homem". Por isso o poeta de muro se vale do anonimato. Uma vez no muro o verso é livre, é público, é de todos. É apenas um verso que pode ter sido escrito por qualquer um.
O poeta enxerga nessa tática uma espécie de resposta ao mundo da publicidade que se apropria dos espaços da cidade para propagar consumismo. Ora, porque não divulgar poesia então? Ou política? Como tudo que produziram, os membros do Clube da Madrugada dedicados á poesia de muro também se dedicaram á explorar em suas criações temas regionais. Infelizmente, a Poesia do Muro não resistiu á modernização da cidade após a Zona Franca e os versos foram engolidos por novas mãos de tinta. Como mostramos na segunda parte desse nosso artigo, existem hoje mensagens e estilos interessantes de arte urbana pelas ruas de Manaus, principalmente em se tratando de grafitti, mas aposto que estes jovens artistas nem desconfiam que a capital baré foi pioneira no reconhecimento da arte urbana.
Poesias de Paulo Leminski pichadas em muros de Curitiba.

O Movimento Madrugada continuou, mas a Poesia de Muro definhou. A nova cidade nascida com a Zona Franca ajudou um pouco. Uma pena que não podemos ter acesso ao que foi escrito nos muros da Manaus dos anos 50 e 60, mas podemos encontrar felizmente no ensaio de Tufic, com o título Por uma Poética do Muro que pode ser encontrado no seu livro Clube da Madrugada: 30 anos (1984), alguns exemplos. Dentre eles destaco o poema abaixo que fechará nosso artigo.

Sou contra a
paz sem pão

Sou contra a
rima em ão
se ela não brota
do coração

Sou contra a
fala que não
venha do
lodo.

Sou contra a
parte que não
lembre o
todo.

Sou contra o
bafo dos eruditos
(de nada ser-
vem nestes
conflitos).

Sou contra o
poema que
não seja
muro,

Sou contra a
fala que
morre no
escuro.

Desconectados

Piquenique no Ibirapuera.
Há um ditado, desses que se ouve em conversas com seus amigos de idade avançada na calçada da rua, que diz mais ou menos o seguinte: "Meu pai andou a pé, eu andei de carroça, meu filho anda de carro e meu neto andará a pé". Não entendeu? A ideia básica aqui é simples: as coisas evoluem, até certo ponto, depois elas voltam a ser o que eram. Os caras da banda Devo são um dos adeptos dessa visão de mundo, criaram até a Teoria da Involução - basicamente ela diz que depois que a Humanidade atingir o seu ápice, seja na tecnologia ou no conhecimento, ela vai começar a se emburrecer e voltaremos ao tempo das cavernas. Por essa Darwin não esperava...
Enfim, essa introdução toda para falar de um livro que tem um raciocínio semelhante. Pelo artigo do Tião Gomes na Carta Capital tomei conhecimento desse livro de um jornalista norte-americano sobre a internet e o modo como agimos com ela. O nome do livro é Os Imperfeccionistas e seu autor se chama Tom Rachman. A tese de Rachman é de que toda geração surge refutando a anterior. Se temos uma geração altamente conectada na internet (a chamada Geração Y), logo teremos uma geração de pessoas que renegaram a vida virtual.
Tom Rachman
Mark Mothersbaugh, vocalista do DEVO.












Estas pessoas, que o jornalista chama de "últimos românticos" já possui um número considerável de membros pelo mundo. Ciclistas se aventurando pela noite paulistana, bandas e apreciadores de música indie e folk no Macapá se reunindo para saraus, esses são os exemplos dos "desconectados" que conheço. Alguns usam a internet sim, mas somente para marcar encontros ou combinar de irem juntos á algum evento. Outros, mais radicais, nem isso.
Por que correr da web como o diabo foge da cruz, alguém poderia perguntar. Ora, existem vários motivos. Dentre eles a quantidade incrível de informações, muitas delas inúteis, ou mesmo o desperdício de horas preciosas. Meu amigo Diego Gatto costuma dizer que Facebook parece mala de viajante amnésico: de cinco em cinco minutos tem que checar. E nessa de saber o que seus amigos estão fazendo todo o tempo, você acaba levando horas e horas no computador.
Existem aqueles que enjoam. Afinal, viver  sempre á espera de alguma notícia dos amigos ou se expressando apenas através de 140 caracteres pode ser muito monótono depois de um tempo. Claro, existem pessoas que podem perfeitamente conviver com essa existência virtual e com sua própria vida, ou seja, complementando as duas.
Essa ideia de toda geração refuta a outra (parece aquela lei da química: toda ação leva a uma reação) é uma meia-verdade, na minha opinião. Seres humanos são muito diferentes de substâncias químicas. Há rupturas mais profundas entre algumas gerações, mas geralmente elas readaptam elementos de suas predecessoras. Ora, a tal Geração Y não se valeu de um dos produtos da Geração da Década Perdida, a internet? Isso sem falar das diferentes matizes musicais: punk, rock, pagode, etc.
Quanto á essa previsão de Rachman, concordo em partes. Não acho que vai haver uma desplugagem coletiva. Estamos caminhando cada vez mais para uma convivência moderada com o mundo virtual. Após o primeiro impacto, tudo é novidade, depois ela pode se tornar algo tão banal quanto nossa geladeira. Banal no sentido de já estar entranhada no nosso cotidiano. Bem, pode até existir essa possibilidade dos "últimos românticos" se transformarem em maioria, mas não acredito que seja algo tão duradouro. Se acontecer seria como uma espécie de onda, assim como tem sido a moda das redes sociais.