domingo, 24 de fevereiro de 2013

Engane-me se puder

"Vejam, um Tyranossaurus Rex!" Aham...

Qual o objetivo dos efeitos especiais? No cinema, tudo aquilo que não pode ser reproduzido, pode ser representado. Dinossauros, alienígenas, batalhas históricas. Tudo isso pode ser representado de forma que o espectador se engane e acredite que realmente está vivenciado o desembarque dos Aliados na Normandia ou então aquela coisa na tela realmente é um alien.
Nos primórdios da sétima arte boa parte dos efeitos especiais provinham de truques de mágica ou ilusões de ótica (veja algum filme de George Meliès e tire a prova dos nove). Quando não, utilizava-se um recurso muito conhecido, o slow motion. A captura de imagens quadro a quadro, se preferirem. Embora tenha sido popularizada como uma técnica onde bonecos de massinha são manipulados, o recurso também pode ser usado em pessoas.
Novas tecnologias no decorrer das décadas influenciaram o modo de se fazer cinema. Um bom exemplo é a técnica do green screen, onde os atores interagem com personagens ou com um cenário pintado de verde que serão substituídos por efeitos computadorizados. De elementos acessórios, os efeitos especiais passaram a se tornar a essência de não só animações como muitos filmes (Beowulf, A Casa Monstro, Expresso Polar e Os Fantasmas de Scrooge, todos filmes de Robert Zemeckis, são bons exemplos).
Imagine o trabalho de se criar toda uma selva e uma fauna própria, sem falar de  pintar um monte de gente de azul...

O caminho da indústria cinematográfica foi tão grande que hoje assistir qualquer filme dos anos, mesmos os blockbusters da época, pode provocar risadas e desagrado em muitos espectadores acostumados com efeitos muito mais bem trabalhados. No entanto, com a exceção de poucos, muitos deles ainda não atingiram o nível de verossimilhança que espera-se atingir. Na realidade a maioria continua aparecendo artificiais, como aquelas naves espaciais amarradas a varetas nos anos 60. O que muda é que nossa artificialidade se refinou um pouco mais.
Hoje somos muito mais conscientes da função destes efeitos. Sabemos que é uma representação. Difícil sermos enganados. Mas queremos ser enganados. A premissa fundamental do cinema é enganar. É fazê-lo acreditá-lo que o que acontece na tela realmente aconteceu. Claro que isso requer um pouco do espectador. Geralmente um pouquinho de descrença para engolir não só algumas limitações dos efeitos espaciais, mas principalmente alguns erros da narrativa.
O que se salta aos olhos é essa neurose de atravessar as fronteiras entre o real e o virtual - o que explica a volta do 3D, técnica criada justamente nos anos 50. Conseguiremos ultrapassar essa tênue linha? Isso é desejável? Não sei, mas continuo me divertindo com os maravilhosos mundos e as criaturas fantásticas do cinema, sejam feitas de papelão e borracha ou de circuitos e pixels.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

E um belo dia... abriu!

Foto: Acervo do jornal A Crítica.

A Biblioteca Pública do Estado do Amazonas estava em reformas desde 2007. E o prazo para a reabertura do prédio era sempre adiado e adiado. E qual a surpresa de todos nós quando em um belo dia de janeiro desse ano encontramos os portões da centenária biblioteca abertos novamente.
Soraia Magalhães, uma das fundadoras do Movimento Abre Biblioteca, fala um pouco do desfecho dessa novela e fala um pouco sobre lugares que se encontram em uma situação parecida neste artigo (Sabor de um sonho realizado) para a Revista Biblioo.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Hoje é o dia!



Faz cinco anos que coloquei meus pés pela primeira vez na faculdade. A sensação que tive ao chegar na Colação de Grau era de que eu, junto com meus colegas, era um sobrevivente. 
Não esperava começar em Taubaté e terminar a faculdade em Manaus. Não esperava que muitas pessoas que amo não estivessem mais vivas. Não esperava que tantas coisas me tirassem o sono como tiraram nas últimas semanas. Enfim, chegar aqui foi algo quase surreal.
Não quero fazer previsões agora, otimistas ou não. Se existe algo que aprendi nesses anos de graduação é que nunca se sabe o que a onda pode nos trazer. Aldísio Filgueiras já disse uma vez que a gente erra por achar que não existe mais novidade na vida.
Aos amigos, obrigado pela paciência. Aos parentes, obrigado pela compreensão. E a quem não conheço, obrigado... seja lá pelo que for.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Os historiadores e a Comissão da Verdade


No último dia (13/12/2012) do I Encontro Estadual da ANPUH/AM debateu-se em uma mesa redonda composta pelo jornalista Wilson Reis, os historiadores Hideraldo Costa e Benito Bisso Schmidt a relação entre a Comissão da Verdade e os historiadores. Também participou da mesa, na condição de mediador, o Prof. Dr. Auxiliomar Ugarte.
A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e começou a se estruturar em maio de 2012 tendo como meta apurar violações de Direitos Humanos entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Ainda que o recorte seja amplo a maior polêmica tem se concentrado em um espaço de vinte anos, os anos da ditadura militar (1964-1985).

Wilson Reis, jornalista e membro do Comitê da Verdade do Amazonas, nos apresentou as atribuições do grupo e seus desafios. Iniciou sua fala perguntando: Se trata de um mesmo discurso sobre um mesmo fato? Não, a questão é dar voz aos que não tiveram, ou seja, trata-se de reparação histórica e judicial.
Uma vez cientes disso os trabalhos do Comitê estadual começaram. Uma avalanche de casos apareceram. Qual o mais importante? Qual o mais urgente? O critério para fazer a triagem de casos a serem investigados foi a notoriedade. Assim, as primeiras investigações se debruçaram sobre o suicídio do sindicalista Antogildo Paiva, o desaparecimento do militante Antonio Tomaz Meirelles (Tomazinho) e o massacre dos Waimiri-Atroari.
O relatório deste último caso causou um impacto nacional. Direcionou o olhar da cidade para o campo, dos militantes de esquerda para os indígenas. Logo depois um documentário chileno perdido veio a tona mostrando alguns detalhes de milícias indígenas criadas pela ditadura que também participavam da repressão, ou seja, índios torturando índios.

Hideraldo Costa, historiador e também membro do Comitê estadual, começou sua fala lembrando o velho mito de que a ditadura no Amazonas não foi brutal: não temos desaparecidos, não temos torturados, apenas corruptos foram cassados e jornais censurados e fim de papo. O Comitê está provando que não foi bem assim.
Quando foi instaurado o Comitê em maio do ano passado, além dos organizadores só se fizeram presentes um vereador e um deputado. Hideraldo associa a indiferença da sociedade manauara com um discurso que perpetua uma memória silenciosa e cega sobre a ditadura no Amazonas. O curioso é que os historiadores locais não se sentiram atraídos pelo tema.
O Comitê estadual, assim como a Comissão Nacional, é pautado pela pluralidade: nesse grupo formado por aproximadamente 15 pessoas a maioria são políticos, mas existem jornalistas, geógrafos e um historiador (Hideraldo). Salientou o diálogo necessário entre três áreas do saber (História, Geografia e Comunicação Social) e o intercâmbio mais que urgente com as universidades.  "A minha tarefa no Comitê é mostrar que a dinâmica da pesquisa é diferente da dinâmica da militância". A pesquisa demanda mais tempo e certos cuidados metodológicos e os movimentos sociais clamam por resultados mais imediatos, daí o embate.
Segundo o palestrante, o Comitê estadual está começando a estruturar melhor suas ações por meio da construção de uma agenda. Ressaltou mais uma vez a repercussão dos relatórios do comitê estadual: a questão indígena agora entrou na pauta da Comissão Nacional e ajudou a rever muitos dados consagrados como por exemplo o número de desaparecidos (de 465 agora subiu para 2.000).


Benito Bisso Schmidt, presidente nacional da ANPUH, dedicou-se a pensar alguns aspectos da relação historiador/ Comissão da Verdade:
1) A importância dos comitês regionais: O eixo Rio de Janeiro e São Paulo sempre esteve sob os holofotes, mas agora a diversidade da ditadura aparece nos estudos regionais. No Rio Grande do Sul a questão da repressão ditatorial se relaciona com um contexto mais amplo como os contatos com a Operação Condor. Já no Mato Grosso e no Amazonas temos a questão indígena se imbricando com a política latifundiária e ideológica. E esses são apenas alguns exemplos de casos que podem nos fazer pensar e repensar tudo o que sabíamos sobre a ditadura militar no Brasil;
2) A importância da Comissão da Verdade: O objetivo da Comissão não é julgar, mas reparar e esclarecer. Sendo assim não se trata de revanchismo como quer a direita ou de demagogia política como alega a esquerda, mas de um direito. O direito á verdade. Estas investigações e a reflexão aberta por elas é extremamente necessária porque, na visão do historiador, ajuda a expurgar os demônios da democracia.
3) O papel do historiador é polêmico: Não criamos narrativas oficiais porque não existe verdade absoluta. O que a Comissão procura é apurar a verdade absoluta. E a direção das investigações tem se direcionado sobre militantes da esquerda, endossando uma narrativa já conhecida sobre a ditadura. O historiador Carlos Fico acredita que por conta desses dois pontos o compromisso do historiador com a Comissão seja extremamente problemático. Schmidt confessa que envolve sim uma série de vicissitudes, mas isso não impede o historiador de participar desse grupo. Basta apenas que ele tenha o cuidado de diferenciar a verdade da testemunha, a verdade do Direito e a verdade da História. Quanto ás narrativas canônicas, Schmidt enxerga como um problema a ser superado e oferece o caso do Peru como exemplo: não foi investigado apenas as ações do Estado, mas também do Sendero Luminoso.
5) A relação conturbada entre História e Memória: eis aí mais um elemento problemático, aliás, elemento esse que é um dos eixos da Comissão. A memória está mais ligada ao afeto, daí a exigência dos parentes de desaparecidos, presos e torturados para que seus casos sejam devidamente investigados e reparados. Ao historiador compete um certo distanciamento para não escorregar na visão de verdade absoluta. Isso não quer dizer que ele deva se abster de qualquer compaixão, o historiador não é um robô. Apenas quer dizer que é preciso ter encarar episódios traumáticos á luz da metodologia da História.
Resumindo, o historiador pode participar da Comissão da Verdade? Na visão de Schmidt, sim. Basta que ele mantenha sempre os cuidados requeridos pelo seu ofício.


sábado, 16 de fevereiro de 2013

HISTÓRIAS NÃO PERECÍVEIS III



Desde que o amado coronel deixou de servir á geladeira para ser servido na mesa de jantar um clima melancólico e filosófico pairava no ambiente. E a inquietação cheirava a queijo gorgonzola.
O que será de nós? Qual nosso destino: a barriga ou a lata de lixo? As perguntas se multiplicavam, os alimentos se angustiavam. Então, algo ocorreu: um belo dia um visitante apareceu na geladeira. Chamava-se Leite Desnatado. Ao contrário do seu primo integral, esse era muito simpático. Mesmo assim todos desconfiavam de sua bondade. “Nunca confie em um latícinio sem nata!”
Dias depois o gorgonzola foi substituído por um parente sem gordura. A Abobrinha confessou ao Pepino que sentia saudade até do fedor. Esse novo morador parecia correto e light demais. O Sanduba natural vivia rindo. Os refrigerantes se tornaram espécie rara. Em seu lugar, sucos de tomate e energéticos.
Logo, ficou claro aos moradores antigos que se tratava de uma invasão. A invasão dos sem sabor! Assim proclamou aos quatro ventos o profeta mofado. Em reação, o Sanduba se pronunciou:
-Melhor sem sabor que ser cheio de gordura e colesterol!
-Mano, eu posso ter um monte de defeito, mas ainda sou gos-to-sa!, respondeu a fatia de bacon rebolando.
O refrigerante passou a atacar o suco natural de limão – é natural e só dá afta!
-Eu dou afta pelo menos e você que dá câncer!
-Isso é calúnia! Nada foi comprovado! Aqueles estudos foram feitos pela Pepsi!
-Ah, fica quieto e vai lá com a sua pipoquinha! Sua colega aí, Fanta Laranja, precisa chacoalhar pra ficar gostosa, senão fica o pozinho todo no fundo. E ainda vem falar de mim?
-E você por acaso é muito limpa? Tá precisando de uma peneirada urgente, fulaninha!
O energético de tão hiperativo não conseguia completar nenhuma frase. O iogurte e o leite desnatado trocavam farpas e natas.  Até o gengibre se manifestou! O chá de boldo ficou do lado dos colesterentos:
-Afinal, se ninguém comer eles, fico sem trabalho!
A baderna generalizou-se e sobrou até para os calados. A picanha encarava o kiwi:
-E você, peludinho, não vai falar nada?
-Ele é verde por dentro, só poder ser um espião!
-Vai dizer que o Kiwi é feito de soja? Me poupe!
Ao ouvir o nome “soja”, o profeta mofado soltou um berro:
-A soja dominará a geladeira!
Foi a única previsão certeira em toda sua carreira profética. Mas a batalha se alongou por horas. O peito de frango ameaçava sair da bandeja para dar uma lição na ricota. Emboscado por integrantes da gangue da Sopa Verde, o chocolate nunca mais foi visto. O leite condensado de tão esquentado se tornou doce de leite. A banana era toda potássio e tranquilidade: podia ser frita ou simplesmente descascada, fosse como fosse ainda teria espaço para ela aqui.
As coisas só se aquietaram quando as mãos apareceram. Pegaram justamente a fatia do bacon que deu uma risadinha debochada para seus desafetos saudáveis. Mal sabia ela que não seria digerida, mas descartada. Para o lixo foram a maioria dos gordurosos e habituais alimentos ao fim de uma semana. Despediam-se ás lágrimas, mas em breve se reencontrariam na lata de lixo para compartilhar as mágoas.
Quando o Pão Mofado foi retirado detrás da panela de pressão pelas mãos começava assim o reinado dos sem sabor. Eles já tinham chegado á todas prateleiras. Agora finalmente iniciaram seu governo utópico.  Os melhores alimentos fariam dessa a melhor geladeira, assim pensava-se. Os intocáveis da gaveta de legumes e algumas frutas não apoiavam de todo o novo regime.
-Nós dependíamos deles, cara. Sem o pão de hambúrguer e a carne ninguém se lembra de nós. Sozinhos não somos nada! – confessava o tomate ao alface em tom de lamento. O parceiro tentava consolar:
-Calma, calma! Nós sempre teremos a salada...
A banana, uma das frutas mais assanhadas, já sentia falta de suas relações:
-Ah, como eu sinto saudade de ser amassada ao feijão. Como era bom eu ser derretida ao açúcar e a canela e ser coberta todinha pelo mel. Ah, bons tempos...
E em pouco tempo os novos alimentos encontraram seu novo guru: o Pimentão. Quando ele repentinamente mudou de cor – de verde para vermelho – todos na geladeira ficaram pasmos. “Conte-nos seu segredo, mestre leguminoso”, exigiam. Foi a chance que encontrou para sair do esquecimento e doutrinar seus colegas. Logo ele que reclamava tanto do coronel berinjela...
O guru light podia ser verde por dentro, mas ainda assim era dos mais amargos. Não demorou para que alguns o desprezassem e outros se lançassem em sua defesa. Assim, a sociedade perfeita de alimentos perfeitos se via já comprometida por toda sorte de fofocas, rixas e panelinhas. As mãos podiam ter envelhecido, mas as brigas dentro da geladeira continuavam as mesmas. A panela de pressão quase apitou quando descobriu atrás de si, para sua surpresa, um pão que já desenvolvia alguns fungos.
Ele perguntou se incomodava. Se fosse o caso poderia mudar de lugar.
-Não, meu jovem, não saia de onde está por nada! Há um mundo perigosíssimo lá fora. Que mal lhe pergunte, mas você já teve alguma visão?

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Epifania no Calçada Alta

Linhas
As retas que se cruzam no pano da mesa
A divisória entre a rua e o recanto
com o tempo
com os goles
aprendemos a verdade sobre as linhas
                          (sobre a geometria, sobre o mundo):
-tudo é abstração.

Zé Praga ataca novamente!


Não gosto de carnaval e ponto final. Mas gosto de arrastar a sandália, pelo menos uma vez a cada 10 anos pra desenferrujar. Muito bem, me convidaram para um bloco de rua e aí já comecei a me coçar porque um monte de gente se esfregando um no outro na rua pra mim é suruba legalizada. "Não, é um bloco mais tranquilo, só tem gente de mais idade, aqueles sons de antigamente, bolerão". Foi me agradando, mas relutei pra cultivar minha fama de rabugento. Finalmente confirmei presença.
No dia do bloco, ligo pra um e ligo pra outro. "Ah, não vai dar, eu to passando mau". "Ih, cara vou ter que levar minha mulher lá na casa do chapéu". Pra resumir, todo mundo pulou fora. Senão é minha neurose de ligar antes eu teria feito papel de bobo lá.
Sim, eu podia muito bem ter ido assim mesmo e me divertido - embora não conhecesse ninguém ali e até suspeito que esse tal bloco não é tão calmo assim quanto dizem. Claro, eu podia ter feito isso, mas resolvi fazer melhor: lancei uma praga sara-maligna nesses amigos da onça. Se eu não vou pular carnaval, nem eles iriam: chamei chuva. E olha que São Pedro me ouviu pela primeira vez na vida.
Sábado: chuva. Domingo: chuva. Segunda: chuva. Terça: chuva. Quarta: aquele sol. E o povo que ficou de ir pra Banda do Galo lá na Estrada do Turismo foi trabalhar hoje tudo resfriado. O diabo é que eu também fiquei resfriado. Mas nem ligo! Só o fato da chuva ter sacaneado o pessoal já me deixou em catarse. Quatro dias de chuva, todos os quatro dias de carnaval, é mole? Não conheço minha própria força...

Maledicência

Foto: A Crítica.

RUÍNAS
Cabaré Chinela diz adeus ás raparigas.
Diz adeus todo dia, esperando que acenem de volta.
Mas nada...
"Saudade de quando humanos trepavam aqui. O sexo das ratazanas não tem glamour".

AGONIA
Rir é o melhor remédio
a não ser que seja o riso cínico, venenoso.
Ouviu isso, Cidade Sorriso?

UMA FAMÍLIA
Aquela casa de três cômodos e sete habitantes é um exercício de silêncio.Melhor, de silêncios. Antes fossem fantasmas. Seriam muito mais hospitaleiros...

CANNABIS
Fumou
Viajou
Quando voltou, beijou o chão.
Ainda assim, guardou o passaporte pra depois.

ÁPORO REVIEW
O inseto que vira flor
que cafona!
desculpe CDA, mas o otimismo é um passadismo.
Que o inseto virasse sangue!


terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Rapidinhas


O brega chora
faleceu Roberto Makassa,
o bolero em carne e osso
e óculos escuros.
Manaus, 4 de fevereiro de 2013

- notícia sussurrada -
Biblioteca Pública abriu
Manaus, 31 de janeiro de 2013

D. Pedro I abdicou, Collor renunciou
até o papa jogou a toalha
e nada do Robério se coçar.
E Renan taí...

Nicholsonianas


Ele foi indicado ao Oscar pelo menos uma dúzia de vezes. E não há desculpa para você não conhecê-lo. Jack Nicholson emplaca sucessos dos anos 60 até hoje. Se você não o viu como o marcante Coringa de Batman (1989), pelo menos o conhece pelo insano doutor de Tratamento de Choque (2003) ou então pelo sinistro mafioso de Os Infiltrados (2006).
No texto de hoje resolvi fazer uma homenagem enumerando aqui os seus melhores filmes e aqueles que não foram tão bons assim. A tarefa parece fácil, só parece. Porque é difícil dizer no meio de tantos bons filmes qual é o melhor ou o "menos bom", digamos assim. Mas vamos lá!

OS MELHORES
1- Um Estranho no Ninho (1975)

É antes de tudo uma obra prima pela sintonia de seus elementos (roteiro, atores, diretor, etc.) e Nicholson aqui nos presenteia com um anti-herói hipnótico e bem humano. Não há como não se simpatizar com o malandro que se faz de louco para escapar da cadeia que do nada se vê numa batalha épica com as regras do sanatório. Em tempo, esse filme é um marco na luta anti-manicomial.

2- O Iluminado (1980)

"Muito trabalho e pouca diversão, fazem do Jack um bobão". Tradução livre de uma das muitas frases emblemáticas de Jack Torrance, um escritor que vai com sua família para um hotel isolado passar o inverno. Mas o hotel começa a influenciá-lo de uma forma muito estranha. Baseado na obra de Stephen King, O Iluminado é um suspense clássico. É interessante ver a transformação gradativa de Jack, muito bem interpretada por Nicholson.

3- Melhor Impossível (1997)

Uma das raras comédias românticas que realmente me divertiu. Nicholson faz o neurótico e irritante escritor Melvin Udall que se apaixona por uma garçonete (Helen Hunt) enquanto toma conta do cachorro do seu vizinho gay (Greg Kinnear). Udall pode ser classificado como "o canalha que amamos" e pode ser considerado como o pai do badalado Dr. House. É interessante ver como os demais atores não deixam a peteca cair, equilibrando o impacto das atuações.

4-Easy Rider: Sem Destino (1969)

Outro clássico! Aqui temos dois jovens motociclistas (Dennis Hopper e Peter Fonda) percorrendo os EUA para chegar ao carnaval de Nova Orleans. No meio do caminho encontram um advogado beberrão (Nicholson) que parece ser tão louco quanto eles. Embora todos os três já fossem grandes amigos antes do filme, ver a naturalidade com que se relacionam em cena - principalmente Hopper e Nicholson - vale a pena. Isso sem falar do roteiro fantástico, uma declaração de amor á liberdade numa época tão... "careta".

5-As Confissões de Schmidt (2002)

Dizem que existem dois tipos de atores: aqueles que se transformam por completo e aqueles que imprimem a cada personagem um pouco de sua própria personalidade. Muitos encaixam Nicholson no segundo tipo, mas esse filme me convenceu do contrário. Aqui ele interpreta um homem totalmente diferente de si. Schmidt é um tímido aposentado controlado pela mulher que tem problemas com a filha e que vê a cada dia a morte se aproximando de si. É uma comédia, mas também é um drama. E você vê Nicholson patinando por esses dois gêneros em todos os momentos com muita desenvoltura. Pra mim foi a prova de que ele não se acomodou.

6-Chinatown (1974)

Nos lisérgicos anos 70, um filme noir parece meio anacrônico. Mas Roman Polanski aceitou o desafio e produziu essa obra já clássica. Aqui vemos Nicholson como o detetive Jake Gittes tentando entender o que está acontecendo ao seu redor. Era intencional provocar no espectador aquele estranhamento, como se estivéssemos flutuando no ar em meio á tantos mistérios, e Nicholson, embora seja desse mundo, reflete um pouco dessa nossa reação. Principalmente naqueles momentos em que sua paciência explode (haja visto a cena em que Faye Dunaway revela sua verdadeira relação com a menina). Faye está linda e ótima. John Huston, sogrão de Nicholson, não fica atrás também.

...E OS NÃO TÃO BONS ASSIM
1-Sangue e Vinho (1996)
Um drama familiar e um grande roubo. Esse é o roteiro de Sangue e Vinho. No entanto, era de se esperar que a parceria Bob Rafelson e Jack Nicholson (que resultou no cultuado Cada Um Vive Como Quer) produzisse algo melhor. Nicholson faz um bandidão que junto com seu parceiro (Michael Caine) planejam um roubo, mas seu filho (Stephen Dorf) vai lutar para impedi-lo. Os motivos do rapaz envolvem mais vingança que ética. Não é um péssimo filme, é apenas medíocre, esquecível.


2-Marte Ataca (1996)
Para mim é um dos mais fracos filmes de Tim Burton. Pode até ser divertido, mas não justifica uma atuação tão "feijão com arroz" do mestre Nicholson como presidente Dale. Aliás, ele faz dois papéis no filme: o presidente e um oportunista chamado Art, esse sim me pareceu uma pequena amostra do que ele poderia oferecer ao filme.



3-Duelo de Gigantes (1976)
Decepção é a palavra certa pra definir esse filme. Direção de Arthur Penn (Bonnie e Clyde e Pequeno Grande Homem), trilha sonora de John Williams e o encontro de dois monstros sagrados do cinema: Brando  e Nicholson, criador e criatura. Nem o marketing ao redor desses dois nomes conseguiu salvar o filme. Por quê? Marlon Brando retalhou um pouco do roteiro, Nicholson tentou pular fora do projeto. O pouco compromisso de ambos resultou nessa história de diálogos obscuros. Esperava mais inclusive do confronto final entre ambos. Mas vale a pena ser assistida pelos raros e breves momentos em que Nicholson e Brando se encaram.


4-O Corvo (1963)
No início de carreira o jovem Nicholson fez muitos trabalhos ingênuos. É dessa época a sua pequena aparição na primeira versão da Pequena Loja dos Horrores (1960) e este filme aqui. O Corvo é uma adaptação livre da obra de Edgar Allan Poe, um pretexto para colocar lado a lado três grandes nomes do cinema de terror: Boris Karlof, Peter Lorre e Vincent Pryce. Nicholson faz uma ponta como filho do sinistro Peter Lorre. O roteiro é pobre, mas é um filme divertido.

5-A Chave do Enigma (1990)
Outra decepção. A sequência de Chinatown prometia muito mais. Até mesmo por ser um projeto do próprio Nicholson (ele dirigiu este filme) que não fez feio em Com a Corda no Pescoço (1978). Aqui o motivo parece ser o roteiro pouco criativo e uma direção pouco original. Talvez por venerar o mundo do cine noir Nicholson tenha errado na mão, feito algo muito mais reverente que criativo. É interessante ver que Jake Gites continua o mesmo, apesar de tanto tempo depois.

6- Tratamento de Choque (2003)
Se em Confissões de Schmidt ele provou topar qualquer desafio, aqui vejo um Nicholson no piloto automático, fazendo um dos muitos papéis que o celebrizou: o homem excêntrico e debochado que carrega os filmes nas costas. Tá certo que é uma comédia de Adam Sandler, mas ele poderia nos surpreender. Acho divertido até como ele e Sandler disputam as risadas do público. 

Mesmo os seus trabalhos mais fracos funcionam como um bom entretenimento. Eu diria que sua média fica entre o "excelente" e o "regular". Não é um artista de altos e baixos. Enfim, é apenas a minha opinião. Mas filmes são o que não faltam na carreira desse grande ator que mantém um ritmo de uns três filmes por década. Eu poderia sugerir centenas deles: Com a Corda no Pescoço, A Última Missão, Profissão: Repórter, Laços de Ternura, Antes de Partir, Tommy, etc. Ultimamente ando interessado em ver seus filmes menos conhecidos como A Honra do Poderoso Prizzi (1985) ou Cavalgada no Vento (1965).

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Etnografia e Serpentina III


Por mais que você queira destacar, ser "o diferente", haverá algum minuto da sua vida em que você desejará simplesmente se diluir na multidão. Ser engolido pela mesma energia que passa por todos. Haverão poucas oportunidades para que isso realmente aconteça. E hoje é uma delas.
Relaxe e sinta a energia. Não se movimente, deixe o movimento te controlar. Esse é o zen-budismo da folia.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Garimpando Django Livre

Adoro filmes em que precisamos catar aqui e ali suas referências. E Tarantino adora fazer filmes assim. Ou ele linka com histórias de seu próprio universo ou ele deixa pistas de quem o influenciou e olha que é bastante gente. Vou enumerar aqui apenas algumas delas que se fazem presente no seu último filme.

1) A cena inicial, com aquelas letras vermelhas e grossas, é uma alusão aos créditos iniciais dos filmes italianos de western dos anos 60, assim como os zoons bruscos e repentinos. Posso estar errado, mas as rochas e o deserto enchendo a tela me lembra muito os primeiros minutos de Indiana Jones e a Última Cruzada (1989): a imensidão árida e um grupo de pessoas mínimas, quase formigas, atravessando-a. Só que aqui não são escoteiros...;

2) Vamos aos personagens: Django está na cara. Apesar que nesta nova roupagem (e olha que muitos já interpretaram Django; de Franco Nero á Tomás Millan), Django se assemelhe mais ao detetive Shaft interpretado por Richard Roundtree que ao vingador de Corbucci;
Kinski como El Tigro.

3) Christoph Waltz é austríaco, mas no filme interpreta um alemão. Klaus Kinski era alemão da gema e fez muitos westerns. Destaco aqui Meu Nome é King (1971) e O Grande Silêncio (1966 talvez). King Schultz pegou emprestado desses filmes, respectivamente, o primeiro nome e o casaco de inverno de El Tigro (Kinski);
4) A chegada de Schultz tem um quê de Duelistas (filme estrelado por Harvey Keitel, ator preferido de Taranta) e Barry Lindon (1975) de Kubrick;

5) Ainda falando do dentista alemão, seu truque mais famoso - a arma que sai da manga - é uma alusão ao Sabata de Lee Van Cleef (que fez o personagem até onde eu sei em dois filmes: Sabata - O Homem que veio para Matar em 1969, e O Retorno de Sabata em 1971). Na continuação do Sabata de Van Cleef existe também um cavalo cheio de carisma. Mas seu nome não era Fritz e sim Prefeito;

6) Quanto aos irmãos Birtle, o mais velho, com suas citações bíblicas em momentos inoportunos, me lembrou o Julius de Pulp Fiction (1994). Mas me lembrou um outro cara também: Apocalipse Joe (1971). O personagem de Anthony Steffens, assim como nossos dois caçadores de recompensa, também levava a interpretação á sério;

7) Stephen, embora seja uma crítica a todos os negros retratados como servis no cinema americano, se inspira, pelo menos no visual, no protagonista de A Cabana do Pai Tomás, livro que foi adaptado para filmes e séries - e até para uma telenovela brasileira com Sérgio Cardoso fazendo o papel-título;
8) Nós todos sabemos que Tarantino gosta de dar a atores consagrados um tipo de papel totalmente diferente daqueles que está acostumado a fazer. Exemplo: John Travolta, o galã dos embalos de sábado á noite, se tornou um matador de aluguel em Pulp Fiction. Leonardo Di Caprio também ficou conhecido por interpretar bons mocinhos, no entanto lá está ele como o sádico Calvin Candie. Posso estar vendo pelo em ovo, mas o impacto de ver DiCaprio como vilão cria um paralelo com Henry Fonda em Era Uma Vez no Oeste (1968);

9) Agora, falemos das cenas: Django, depois de se render, é pendurado de cabeça pra baixo no galpão. Burt Reynolds deve ter se simpatizado com a situação de Jamie Foxx já que quando interpretou um índio transgressor em Navajo Joe (1966) ficou na mesma situação;
10) A morte de Candie é explicitamente inspirada na morte de Curly, o personagem de Jack Palance em O Mercenário (1968). A flor que se mancha de sangue, que poético!
11) O nascimento da Ku Klux Klan é uma referência ao Nascimento de uma Nação (1915), só que Tarantino, ao contrário de D. W. Grifith, pinta os encapuzados como ridículos e toscos. O humor dessa cena na hora me fez pensar em Monty Python. Só mais uma coisa: os inimigos do Django (1968) de Corbucci também usavam capuz - só que vermelho;
Quando Explode a Vingança: Leone explodiu a carroça, Tarantino se explodiu.

12) Falando em Django, quando nossos heróis chegam ao Mississipi encontrei ali uma possível alusão ao filme de Corbucci na presença da lama. É engraçado que o diretor homenageie não apenas nas cenas ou nos personagens, mas também nos cenários. A temporada em que passam nas montanhas geladas me lembrou na hora O Grande Silêncio (1966), também de Corbucci;

13) A explosão. Da fumaça surge a silhueta do protagonista, assim como acontece com James Coburn em Quando Explode a Vingança (1971);
14) A morte de Stephen: a mais escancarada de todas as referências. Tuco Ramirez, interpretado pelo genial Eli Wallach, finda Três Homens em Conflito (1966) deixando seu insulto ao Lourinho ou Blondie inacabado: "Sabe o que você é Lourinho? Você é um grande filho da..."

sábado, 9 de fevereiro de 2013

HISTÓRIAS NÃO PERECÍVEIS II


Por Cainã Ito e Vinicius Alves do Amaral

Enquanto o fim do mundo se anunciava na geladeira, uma voz se levantou da gaveta de legumes: “Quietos, seus maricas!”. Era o Coronel Berinjela. Balançando sua coroa de quatro pontas, que acreditava ser a prova de sua patente, Berinjela seguia dando ordens:

-Todos aos seus postos! Molhos, para a porta! Panelas, segunda prateleira! 
Na gaveta, as cebolas engoliam o choro sob o olhar atento do vegetal comandante. Em alguns minutos a agonia se dissipou: alguém abriu a geladeira e retirou do congelador os blocos de gelo. Após isso, a refrigeração foi ligada de novo. Todos suspiraram aliviados, menos o profeta feito de trigo e mofo.
-Nunca vi um bando de alimentos tão nojento e deprimente! Será que a coragem já passou da validade aqui? Claro, isso não serve pra você, lata de atum. Qual o nosso lema?
-Digestão e dignidade, repetiam enfadonhos.
-Então o que vamos fazer?
-Ser digeridos com dignidade.
-Eu não ouvi!
-Ser digeridos com dignidade, comandante!
O Pimenta não poupava o bom coronel de observações ácidas. Quem era ele para mandar em todos os alimentos? Mas Berinjela tentava apenas colocar ordem na casa. Quando se vive assim, podendo ser devorado a qualquer hora, desespero é o que não falta.
A calmaria se manteve por pouco tempo, ouviam-se vozes de pivetes. Sim, isso mesmo, crianças para o desespero das pobres guloseimas. As gelatinas amoleceram, pois sabiam que suas ingestões estavam próximas. Foi então que começaram a lançar suas ultimas palavras
- Morango, eu nunca te amei tanto como amei a framboesa
O limão de tão azedo acabou por revelar
- Sim, eu sou diet.
O abacaxi esbanjou um sorriso maroto. As mãos afoitas invadiram a prateleira. Minutos depois uma delas devolvia uma fôrma, pasmem, com meia gelatina de uva ainda presente. O tutti-frutti apenas ria maleficamente:
-tutti, tutti, tutti, rá, rá, rá...

Ah, estou mutilada, gritava o sabor de uva aos prantos. Justo quanto ela estava se recuperando novas mãos surgiram.
Nem tão novas assim: pela fisionomia já podiam ser reconhecidas como pertencentes aos esfomeados parentes do interior dos donos da casa. A gelatina mutilada foi a primeira vítima.
Em seguida, o pote de feijão se foi. Na parte da noite, foi a hora das panelas. A garrafa d’água ouviu os donos falarem que seria feito algo especial no almoço. Próximo do meio-dia, o queijo,ralou-se, o molho de tomate pobre fim virou molho de salsicha , e a carne sem do foi abatida e moída. Por fim, o Coronel Berinjela foi retirado de seu quartel-general.
-Lembrem-se: digeridos com dignidade!
Nunca mais foi visto. Possivelmente, a visita foi presenteada com uma lasanha de berinjela no almoço. Foi impossível não segurar as lágrimas, embora ninguém chorasse histericamente. O bom coronel não queria ver cena na hora de sua partida. Na gaveta, o Chuchu tentava consolar seus colegas: “Pelo menos ele foi para o forno...”.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Apenas profissionais ou bons profissionais?

Prof. Dr. Hideraldo Lima abre o I Encontro Estadual de História .

Para mim, o último grande acontecimento de 2012 foi o I Encontro Estadual da Associação Nacional dos Professores Universitários em História (ANPUH) da Seção Amazonas.
O evento ocorreu dos dias 10 a 13 de dezembro no Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) da UFAM, sendo organizado pelo presidente da ANPUH regional, Prof. Dr. Hideraldo Lima Costa. O encontro se desdobrou em manhãs, tardes e noites, por isso comentarei aqui apenas alguns episódios do evento.
O grande tema era O Profissional de História: Ensino e Pesquisa. Tema esse que vem em boa hora: a profissionalização do historiador deixou de ser promessa á uma realidade cada vez mais palpável. A regularização não deve servir, no entanto, como ponto de chegada, mas como ponto de partida para novas práticas e questões. 
Alguns minicursos tocaram nesse problemática, outros foram mais específicos. Eu optei por fazer o minicurso Possibilidades de Pesquisa em História da Amazônia no Ensino Básico, ministrado pelo Prof. Dr. Francisco Jorge dos Santos. A oficina se mostrou uma proveitosa conversa com esse grande conhecedor da Amazônia colonial sobre sua experiência não só enquanto professor, mas como escritor do livro didático História Geral da Amazônia.
Francisco Jorge dos Santos em certo momento do minicurso.

Resumo abaixo alguns pontos da aula introdutória do professor:
*O aluno é materialista, quer algo concreto, e o trabalho do historiador é eminentemente intelectual, então como incutir a historicidade na cabeça do menino? Fazendo-o pensar. "Tem que concatenar o cotidiano do aluno à cultura histórica do professor". Desnaturalizar o presente é uma boa tática. Ás vezes até algo inesperado pode nos ajudar como os erros nos livros didáticos (datas ou nomes trocados), porque nos ajuda a desconstruir o livro.
*Em relação á pesquisa em História é preciso ter em mente que ela pertence ao aluno e não ao professor. Não se trata de satisfazer uma curiosidade do professor, mas do aluno. Nós bem sabemos que tarefa de casa ou não é feita ou é deixada para os pais fazerem, em nome de uma boa nota. Estimular a curiosidade é um meio de impedir que o aluno opte por essas duas saídas. Uma vez interessado ele mesmo partirá para a pesquisa.
*Mas é importante saber que a pesquisa não pode ser ampla demais. Por isso, professor, desde o começo delimite o campo de fontes. O aluno não tem a missão de ser um pesquisador, lançando-se a todo tipo de arquivo em busca de algo que talvez nem exista ali. Para que a pesquisa não se torne um tiro no escuro é necessário que o professor estabeleça os locais em que se encontram fontes valiosas para a pesquisa. É uma forma de não traumatizar o aluno com a pesquisa e de não perder o controle desta tarefa.
*Nesse sentido, o professor deve atuar como um orientador, sugerindo rumos que a pesquisa pode tomar. "Ser professor de História não é uma simples profissão. É um estilo de vida". E entramos então no mérito da profissionalização do pesquisador: ora, ela é um passo importante e não o único passo a ser dado. É importante que essa medida venha acompanhada da qualificação das licenciaturas. O ensino não pode ser menosprezado. Afinal, queremos apenas profissionais ou bons profissionais?

Versinhos de guardanapo

Sai pra caçar
brejas geladas e boa companhia
já tenho o lugar na mira:
Safári Bar.
Dedico a toda fauna boêmia dessa e de outras paragens

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Pare, olhe, ouça, pense


Toda cidade deveria ter um cineclube. É um desejo não só meu, mas de colegas cinéfilos. Estudando um pouco da história de cinéfilos de outrora percebemos que existiam inúmeras dificuldades: conseguir uma cópia do filme, conseguir reunir todos, etc. Hoje a maior dificuldade é tirar o cinéfilo de casa.
Ora, podendo baixar todos os filmes a qualquer hora quem se habilita a assistir um filme no cinema ou na casa de fulano? Não é questão de ser nostálgico, mas sempre tenho como referência meus tempos de menino onde os cinemas não tinham se tornado ainda igrejas. Se o filme em questão já tivesse saído de cartaz, o jeito era esperar sair na locadora ou na TV. E quando saía, era o assunto na sala de aula ou numa roda de amigos. "Você viu ontem Parque dos Dinossauros? Vi, que massa, cara!".
E não se trata apenas de filmes. Com tantos sites, música é o que não falta aí esperando ser baixada. Aconselho lerem esse post do guitarrista Mateus Starling sobre essa característica dos nossos tempos. Adianto dizendo que ele coloca a questão nesses termos:O acesso extremamente fácil à música acabou por produzir um ponto negativo que é a falta de qualidade na audição. Um Mp3 player tem fácil 2 mil álbuns de música. A pergunta é: Qual o propósito de se ter 2 mil álbuns novos na sua coleção? A resposta vem a seguir: A situação é muito obvia, se você tem 2 mil álbuns te esperando e a ansiedade é enorme o que vai acontecer? Audição de má qualidade.
O tema aqui é bem nítido: a facilidade em se obter bens culturais como canções e filmes pode democratizar o acesso á artes, mas também podem mercantilizá-las, coisificá-las. E o tema não é novo - Walter Benjamin quando fala da perda da aura da arte nos anos 30 está se referindo a esse processo. Cultivar um espírito contemplativo não faz mal a ninguém e pode ajudar a diminuir um pouco essa apreciação frenética, que de apreciar tem só o nome.

Quem tem medo de Arthur Reis?

Por Hélio Dantas e Vinicius Alves do Amaral
Acervo Jornal do Brasil.


Há exatos 20 anos, falecia no Rio de Janeiro, aos 87 anos, o historiador amazonense Arthur Cézar Ferreira Reis. Ao longo de quase nove décadas de existência, Reis exerceu uma considerável atuação como historiador, professor, político e homem público, não só no Amazonas como no restante do Brasil. Até meados da década de 1970, seus livros foram referência básica e obrigatória a quem se interessava pela História da Amazônia. Sua obra é vasta, pois, desde 1930 aos anos 1980 teve livros de sua autoria publicados regularmente, além de inúmeras matérias de jornais, palestras, cursos, artigos e prefácios.
Estudos acadêmicos abordando especificamente sua trajetória e sua obra são recentes e começaram a surgir somente na última década. Em 2001, Sidney Lobato, estudante de História na Universidade Federal do Amapá, abordou a obra de Arthur Reis na monografia “Bricolage da formação nacional: a obra de Arthur Cézar Ferreira Reis (1939-1966)”. O professor Alexandre Pacheco, da Universidade Federal de Rondônia, desenvolveu entre 2008 e 2010 o projeto de pesquisa “Arthur Reis: História, Literatura e Poder (década de 1960)”, que rendeu diversos artigos científicos. Em 2009, surgem mais duas pesquisas: a dissertação de Lademe Correia de Souza “Arthur Reis e a História do Amazonas: um início em grande estilo” e a de Leila Margareth Rodrigues Gomes, “Movimentos Sociais na obra de Arthur Reis”, ambas desenvolvidas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em História da UFAM. Nesse mesmo Programa de Pós-Graduação, foi defendida em 2011 a dissertação “Colonização e Civilização na Amazônia: Escrita da História e Construção do Regional na obra de Arthur Reis (1931-1966)”, de Hélio Dantas. Mais recentemente, em 2012, Vinícius Alves do Amaral, defendeu o Trabalho de Conclusão de Curso intitulado “O Seringal e o Seringueiro: a ‘epopeia amazônica’ em Arthur Reis” no curso de História da UNINORTE. Vale lembrar que, em 2006, ano do centenário do nascimento de Arthur Reis, o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas realizou o seminário “Arthur Reis: o intelectual e o homem de ação”.
Nascido em Manaus, em uma família tradicional, Arthur Reis obteve o título de bacharel em Direito no Rio de Janeiro, mas, ao retornar ao Amazonas em 1928, optou por ser professor de História, uma disciplina que, segundo ele, o atraía desde os tempos de ginásio. Entre as aulas de História nos tradicionais colégios locais e a atuação como editor do Jornal do Comércio (sendo este propriedade de seu pai), Reis começou a desenvolver suas pesquisas em História. O primeiro fruto foi seu livro de estreia, História do Amazonas, publicado em 1931.
Arthur Reis orgulhava-se de ter uma vida discreta, mas ainda assim era considerado uma personagem polêmica. Deve-se esse fato tanto à sua carreira enquanto pesquisador da História da Amazônia quanto à sua breve passagem pelo Governo do Estado do Amazonas entre 1964 e 1967.
Em seus escritos percebe-se claramente uma exaltação do caráter civilizatório da ação portuguesa. Para Arthur Reis, a colonização lusitana na Amazônia foi, definitivamente, bem-sucedida. Ao chegar à região, no século XVII, Portugal já teria acumulado a experiência aprendida nas colônias da África, da Ásia e do próprio litoral brasileiro, e, segundo o historiador, serviu de guia tanto para a ação do Estado quanto da “iniciativa privada” do colonizador. No entanto, mesmo com esse cabedal de experiência acumulado, a Amazônia se mostraria peculiar e diferente das outras conquistas coloniais de Portugal. O êxito dos colonizadores só foi possível porque, partindo dessa experiência prévia, não teriam se negado a realizar na região uma conquista que procurou adaptar-se às suas contingências.
Na narrativa histórica de Arthur Reis, a colonização na Amazônia segue sempre essa dupla via do ímpeto conquistador lusitano e de sua experiência adaptativa, uma alimentando a outra. É o que Arthur Reis chama de “realismo português”: o êxtase ante a grandiosidade do quadro físico, que impelem à conquista, logo dão lugar a uma “ação realística”, marcada por disposição, impetuosidade, constância e capacidade realizadora.
Toda a legislação expedida da Corte em relação à Amazônia é utilizada por Arthur Reis para servir de base a tais argumentações. Havendo necessariamente a preocupação geopolítica, que visava proteger a conquista territorial da cobiça de outros povos – preocupação essa demonstrada no aparato militar das fortificações ao longo da fronteira –, não seria somente com essa demonstração de força que Portugal iria impor a legitimidade de sua conquista na região. Para o autor, seria necessário gerir uma sociedade “ativa e modelar”, construída com incentivo à imigração e posteriormente à miscigenação, à fundação de núcleos urbanos, à tentativa de integração do indígena à nova sociedade – e uma política econômica de incentivo à agricultura, a defesa da fauna e da flora contra a atividade predatória excessiva que caracterizava a atividade extrativista, a organização do sistema de trabalho, comércio e exportação. Dessa forma, tinha um caráter de ocupação, de criação de uma “área humanizada” na região: o desenvolvimento de um processo colonizador que não visava unicamente à exploração de suas riquezas.
O esforço teórico de Arthur Reis buscava demandar uma política federal mais atuante, embasada na ciência, que analisasse as possibilidades de desenvolvimento para a região. Para tanto, empenhou-se em demonstrar que os trópicos eram habitáveis, e a possibilidade de desenvolvimento e de civilização na Amazônia, era aceitável: o problema encontrava-se não na natureza, mas na forma como a região era administrada e estudada. Inclusive, para o autor, a própria inércia e desinteresse do Estado brasileiro pela região, deviam-se, em grande parte, à visão distorcida ou idealizada que se tinha dela, que findava por condená-la ao primitivismo.
Para Arthur Reis, se no passado a conquista da região foi efetivada a contento, como um ato de coragem dos colonizadores, no presente, seria o rigor da pesquisa técnico-científica que permitiria um conhecimento exato e minucioso do território. Era preciso, no presente, retomar e plenificar a obra iniciada pelo colonizador lusitano.
A par desse pequeno resumo de sua obra, podemos entender melhor a participação de Arthur Reis em programas governamentais como a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) e no Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA) na década de 1950, que tinham por principal objetivo propor e executar projetos para retirar a região da crise em que se encontrava após o fim do boom da borracha. Mas a morosidade da máquina pública e as poucas verbas concedidas fizeram da SPVEA uma experiência frustrada.
Então em 31 de Março de 1964, com o golpe de Estado que implanta a ditadura civil-militar no Brasil, um novo regime se instala, prometendo moralizar a política e desenvolver o país. Parece que a promessa será cumprida uma vez que a Amazônia é encarada como região-problema dentro da Ideologia da Segurança Nacional – muito espaço, pouco ocupado, na visão dos militares corria o risco de servir de abrigo a guerrilheiros. Mais uma vez, a condição de “especialista em Amazônia” o torna um forte candidato a um cargo público, dessa vez, o de governador do Amazonas.
Mas para Arthur Reis, que assume o cargo de 1964 a 1967, guerrilheiros não eram a única ameaça à integridade da Amazônia. Em 1965, inicia uma campanha na imprensa contra a presença de instituições de pesquisa estrangeiras, instaladas na Amazônia com a conivência do Governo Federal. Entendia tais ações como um atentado à soberania nacional. Não por acaso, havia publicado em 1960 o livro A Amazônia e a Cobiça Internacional, considerado por muitos como sua obra-prima. Nele apresenta o imperialismo sondando a Amazônia desde os tempos coloniais. Isso fez dele um livro aplaudido tanto por nacionalistas conservadores como por militantes da esquerda, tendo sido alvo de sucessivas reedições ao longo dos anos 1960, 1970 e 1980.
Seu governo foi ambíguo: colecionou crises e patrocinou iniciativas ousadas, sendo taxado, paradoxalmente de “autoritário” e “inovador”. Quanto ás crises, estas foram basicamente duas: primeiramente, um atrito com a Assembleia Legislativa e logo em seguida um desentendimento com o Judiciário. A mesma Assembleia que em junho de 1964 tinha aplaudido – com a exceção do então deputado Bernardo Cabral – a posse do novo governador, em agosto o amaldiçoava por ter encerrado uma sessão e ordenado que tropas da polícia cercassem o prédio. O caso estampou as manchetes dos jornais nacionais quando o senador Desiré Guarani o relatou em Brasília. Após uma ameaça de intervenção federal e uma tentativa de renúncia, optou-se pelo “esquecimento” entre ambas as partes.
Em fins do mesmo ano, o juiz Oswaldo Salignac foi aposentado compulsoriamente pelo governador, gerando contenda entre os desembargadores sobre a constitucionalidade dessa medida. A solução? Reis invalidou sua ação e Salignac aposentou-se voluntariamente. O que estava por trás das duas contendas? No primeiro caso, os entraves dos deputados em relação às medidas que Reis propunha, enquanto que no segundo, a absolvição de um destacado membro da administração anterior, Jaime Araújo, pelo juiz em questão, gerou a exoneração de Salignac.
Em sua defesa, o historiador-governador alegava que procurava apenas aprofundar o ideal da “Revolução”, expurgando os elementos corruptos e subversivos do cenário político. No meio do caminho encontrou a resistência dos deputados e dos desembargadores. Antes mesmo de aplicar tais medidas, Reis já era visto pela oposição como uma má escolha por sua inexperiência política. Até então havia se envolvido apenas em cargos de menor teor partidário. Mas agora era diferente, agora ele se encontrava no “olho do furacão” – entre as ordens de um novo regime e os interesses dos políticos regionais. Jornais o comparavam a um macaco em uma sala de porcelana. Não tinha tato político nem popularidade, diziam.
Em seu livro Dois Anos de Governo afirma: “O poder não pode ser exercido com hesitações, fraquezas, medo de agir. Quando ele nos é confiado temos de despir-nos do que nos é o prazer da vida para, no peso do dever, decidir com energia e segurança”. Em outras palavras, estava apenas obedecendo a ordens. Mas talvez suas ações fossem uma resposta a esta descrença na sua habilidade política.
Em compensação, suas obras de infraestrutura refletem um impulso de modernização: a reforma no Porto de Manaus, a batalha pela instalação da Zona Franca de Manaus e a construção da Rodovia Manaus-Itacoatiara, dentre outras. No campo cultural, a promoção de concursos literários, a publicação de obras de autores locais através da volumosa coleção das “Edições do Governo do Estado”, a fundação da Universidade do Amazonas e a realização de festivais de cinema e teatro. Inclusive Glauber Rocha passou por aqui para produzir um vídeo promocional do Estado chamado Amazonas, Amazonas em 1966, quando o diretor ainda estava reunindo recursos para produzir Terra em Transe.
Por sua obra e sua atuação política, encontramos posições diferentes sobre o Arthur Cézar Ferreira Reis. Enquanto o cineasta Aurélio Michiles o aplaude por sua “renascença cultural”, Narciso Lobo, à época jornalista de um dos periódicos empastelados pelo governador, ressalta seu “falso liberalismo”. Celebrado em instituições tradicionais como a Academia Amazonense de Letras ou o Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas, criticado nas universidades.
Considerado por mais de uma geração de pesquisadores como um pioneiro e um importante sistematizador do conhecimento sobre a Amazônia, é taxado também como um historiador “positivista”, “conservador”, “autoritário” ou “superado” como se estas categorias fossem o suficiente para defini-lo. Na maioria das vezes, como diria o antropólogo Luiz de Castro Faria, sua obra é mais alvo de reverência do que de referência, sendo mais reconhecida do que efetivamente conhecida. Entretanto, há muito que ser dito, ainda, não só sobre este historiador, mas também sobre o período em que viveu. E este é o momento mais que oportuno para isso. Então, falemos de Arthur Reis!

Hélio Dantas

Mestre em História (PPGH/UFAM) e professor de História da Rede Pública Estadual e Municipal. É autor da Dissertação de Mestrado “Colonização e Civilização na Amazônia: Escrita da História e Construção do Regional na obra de Arthur Reis (1931-1966)”.

Vinicius Alves do Amaral

Licenciado em História pela UNINORTE e Mestrando em História Social (PPGH/UFAM). É autor do artigo “O Seringal e o Seringueiro: a ‘epopeia amazônica’ em Arthur Reis”, defendido como seu Trabalho de Conclusão de Curso.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

HISTÓRIAS NÃO PERECÍVEIS I

Cainã Ito e Vinicius Alves do Amaral


Naquela casa o tédio era quase um parente. O que quebrava a monotonia era a geladeira: a mãe usava seus fundos como varal doméstico, o pai garimpava doces e o menino se espantava com a luz que ela possuía – será que ela continuava acesa mesmo fechada? Se perguntavaA resposta era não. E se o garoto fosse um pote de feijão saberia muito bem disso. A vida na geladeira espantaria qualquer um. Em cada prateleira, um drama.
O sabor abacaxi organizou uma assembleia extraordinária de gelatinas, com intuito de expulsar o desgraçado tutti-frutti da prateleira, uma vez que nem sabor de verdade ele era diziam elas, e quando ele tentava argumentar:-Vocês me julgam pela minha cor seus insolentes filhos da fruta, vocês hão de afogarem no creme de leite.Enquanto isso na porta da geladeira, uma reunião parecida ocorria. O tema: ovos podres.O casal Ketchup e Mostarda sugeriram a pauta com o plano de preservar a integridade da porta. O odor denunciava, mas ninguém se revelou.O silencio prevaleceu ate queo ovo número cinco dedurou. Diante disso, o alarde começou, só restava eliminar o pobre coitado. Seus colegas de granja sem pensar duas vezes, empurraram-no sem dó e nem piedade, e assim que a geladeira foi aberta espatifava-se no chão o renegado: "Oh! Ele tinha duas gemas! É um sinal! A profecia do Pão Mofado está se concretizando!”.
Mas a podridão não acabou por aí: a fofoca da vez era a traição do Seu Mostarda com Dona Pimenta. Quase se tornou um caso passional, não fosse o Requeijão ter interferido. A Manteiga derreteu-se: mais uma prova de que seu vizinho era uma boa alm... alimento.
A panela de pressão contava as novidades da cozinha: parece que a dona iria fazer salpicão. O peito de frango já soluçava. A maionese, por outro lado, sentia saudade do mundo lá fora.
E havia o medo constante das criaturas do freezer. Ninguém nunca as viu, no entanto, toda noite ouvia-se ruídos vindos de cima. Talvez fossem monstros hibernando que vez ou outra acordassem para bocejar. Talvez fosse o dono fazendo um lanchinho á meia noite, como teorizava o Salame. Quem sabe?
Na gaveta de legumes, alegria geral: a dona Batata já tinha seus primeiros brotinhos. Na quinta prateleira uma Lasanha de duas semanas resmungava sobre a vida: “É muito maçante...”. Invejava a garrafa d’água que a cada minuto saia. “Quero ver te colocarem aquela boca suja, te deixarem toda babada, como fazem comigo”, replicava sua companheira. É, tá difícil pra todo mundo.


Então, a energia acabou. O profeta da quinta prateleira, Pão Mofado, gritou: "É o sinal! Não deveríamos ter sacrificado o pobre diabo!" Já se ouvia o choro das cebolas. As paredes começavam a suar. O lugar nunca antes visitado, senão pelo pote de feijão, degelava-se e ouvia-se sons terrivelmente assustadores. E agora? O que aconteceria?


Continua no mesmo horário e na mesma geladeira...

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Swartzianas

Qual o legado de Aaron Swartz?
Essa foi a pergunta que mobilizou a jornalista Tatiana Dias e o jurista Rafael Zattana em uma mesa redonda mediada por Leandro Chemalle, um dos coordenadores do Partido Pirata, no penúltimo dia do mês de janeiro durante o ciclo de eventos da Campus Party. A videoconferência foi transcrita no blog de Zanatta, o E-mancipação. A leitura é mais que recomendada.
Destaco na fala de Zanatta essa proposta de conhecimento sem limites, que já é antiga mas foi revigorada recentemente, e esse aproveitamento do sistema legal a favor do cyberativismo, estes dois pontos que ele identifica como centrais em Aaron,e que parecem distantes do debate brasileiro. A posse de Renan Calheiros como presidente do Senado então foi um banho de água fria em muitos sentidos, inclusive no cyberativismo tupiniquim.

Etnografia e serpentina II


Esse é o momento em que podemos ser puramente ridículos. Não ria, momentos assim são preciosos. Hoje somos mais sérios do que antes. Não que não gargalhemos mais - Ora, quantas vezes você já não riu daquele folião bêbado? - mas não rimos mais de nós mesmos.
Rir de si mesmo é uma terapia. Alguém me disse isso, só queria lembrar quem. 
O importante é que assimilei.
Quando nos fantasiamos estamos assumindo essa arriscada tarefa de nos auto-ridicularizar. A não ser que você seja um cosplayer - esses levam a fantasia a sério, eu sei. Mas é que quanto mais sóbrio, mais posudo, mais você é respeitado. Se você brinca com sua própria moda está abrindo um perigoso precedente para que os outros te ridicularizem a qualquer hora, certo? Pode até ser. Seria mais fácil estabelecer limites, mas com tantas linhas na rua e artigos na constituição quem mais quer saber de limites?
Só sei de uma coisa: eu continuo indo no Bloco das Piranhas.

O Velho Oeste manda lembranças


Não é que eu tenha relutado em escrever sobre Django Unchained por preguiça. Simplesmente não estava certo de como começar esse texto, uma vez que tive inumeráveis impressões sobre esse filme. 
Django Unchained ou Django Livre é antes de tudo um filme de Tarantino. Há quem diga que com ele o western ressuscite. Sim, Django (o "d" é mudo) se insere nesse gênero. Entra pela porta da frente para virar tudo de cabeça pra cima. A começar pelo protagonista e seu cenário. Django é um escravo á procura de sua mulher no Sul dos Estados Unidos. E a trilha sonora reafirma: Black Music na área, de Soul á Hip Hop. Nenhum exagero em dizer que a produção se aproxima do blaxploitation, já homenageado por Tarantino em Jackie Brown.
Falando assim pode parecer que Django tenha de western apenas o figurino. Nem tanto, caro leitor. A referência á tradição dos spaguethi westerns está escancarada na adoção do nome do protagonista. Apesar de ser imortalizado na interpretação de Franco Nero como um pistoleiro que enfrenta uma gangue em nome da esposa assassinada, Django é um dos personagens mais plásticos do gênero. A criação de Sérgio Corbucci se tornou lendária, originando, ainda na época, múltiplos filmes. Atores diferentes, enredos diferentes, mas a mesma temática: a busca por vingança.
Passado e presente se encontram no balcão: o Django atual (Jamie Foxx) e o Django original (Franco Nero).

Outro elo com a tradição: a trilha sonora. Se já era evidente que o diretor é apaixonado por faroeste na escolha das canções de seus outros filmes, aqui ele não decepciona: Luis Bacalov, Riz Ortolani e o mítico Ennio Morricone figuram na lista. E não são participações pequenas - cada canção encontra sua cena, uma lição que aprendeu muito bem com Sérgio Leone.
Em Django estamos diante de uma construção meticulosa. Não é só na música que ela se revela, mas no filme como um todo. A calmaria se contrapõem ao frenesi de violência. O humor, como sempre, também está presente e também cumpre sua função: antecipar o próximo estampido. Criticou-se muito a longa duração da produção (e olhe que Tarantino queria prolongar por mais alguns minutos!), mas ela tem sua razão de ser: cultivar a tensão. A viagem á Candyland, por exemplo, é perfeita nesse sentido. Afinal, um filme que não construa e prometa um clímax, prendendo assim o espectador, é digno de ser chamado de "entretenimento"?
Os diálogos polidos de King Schultz e de Calvin Candie são mais um bom exemplo. São bem executados e carregados de informações que não estão ali de graça. O discurso sobre frenologia ou mesmo a referência á descendência do escritor Alexandre Dumas revelam aspectos da história e da História cruciais. Já que estamos falando dos personagens, o que dizer do Django de Jamie Foxx ou do King Schultz de Christoph Waltz? Uma dupla improvável (como personagens e como atores) que se revela forte e coesa, sem apelar para o sentimentalismo. Cada qual, porém , possui seu nêmesis: Candie é o oposto de Schultz, assim como Stephen é o contrário de Django. O rico e sádico fazendeiro interpretado por Leonardo Di Caprio, no entanto, por mais elegante que seja, é um tanto ingenuo, necessitando de seu criado e administrador particular, brilhantemente encenado por Samuel L. Jackson, para abrir seus olhos. Ou seja, juntos são adversários á altura dos nossos dois caçadores de recompensa.

Em meio a tantas interpretações  inspiradas, como de Di Caprio e Jackson, encontramos uma Kerry Washington um pouco perdida fazendo Broomhilda, a esposa de Django. Quero crer que isso se deva á edição e não a atuação dessa bela atriz, uma vez que ela teria mais cenas na versão inicial do filme. Talvez quando lançarem uma edição mais longa da produção em DVD ou Blue-Ray poderemos comprovar isso.
Falávamos do calculismo dessa realização. Pois bem, aí reside um grande "porém". O Tarantino iconoclasta e irreverente sai de cena diversas vezes, abrindo espaço para o Tarantino fã confesso de Corbucci, Leone, Peckinpah, dentre outros. A criatividade que o tornou famoso em Cães de Aluguel (que a propósito, fez duas décadas no ano passado) está mais fraca aqui - o final é prova disso. Creio que pelo peso da tradição que o diretor se filia agora, ainda que seu filme seja um western reinventado.
É natural achar que a novidade seja essa reinvenção, mas isso é uma característica da própria dinâmica desse gênero: lembremos dos spaguetthi westerns, uma leitura ao sabor da cultura italiana (aliando neo-realismo e ópera em alguns casos), ou mesmo de Os Imperdoáveis de Clint Eastwood, inovador na temática (culpa e não vingança movimentam o William Munny de Eastwood numa luta contra o homem da lei para se fazer justiça a prostitutas violentadas).Assim, este é um filme de Tarantino onde percebemos em alguns momentos o dedo de outra pessoa. A estética de seu filme está muito reverente aos seus filmes preferidos. É um deslize perfeitamente compreensivo tendo em vista a qualidade e o peso destas obras.

Só queria salientar mais uma coisa: a História é novamente reescrita por Tarantino, ou melhor, por seus personagens. Ainda que aqui os rumos do mundo não tenham sido definidos pela narrativa, como o foi em Bastardos e Inglórios, a mudança não é tão minúscula quanto se pensa: o protagonista incomoda tanto os brancos por abrir espaço para mais Djangos que, se não aparecem no filme, fica implícito que aparecerão em algum momento. A desumanidade da escravidão é apresentada e ao fim, a vingança de Django representa uma justiça histórica: a Casa Grande é explodida pela senzala. Daí inevitáveis comparações com o filme anterior, mas em Django se enxerga uma consciência histórica muito maior. Logo de início sabemos que estamos próximos da Guerra de Secessão, mas os personagens não sabem disso. Django não esperou pela guerra para lutar por sua liberdade e de sua amada. Para ele o painel não parecia tão esperançoso. O abolicionismo não surge aqui como uma grande causa. O mais próximo dele são as atitudes de Schultz, que não é retratado como uma figura dúbia á toa. Resumindo, ao contrário de Spike Lee, acho que esse filme vale a pena.